Tragédia do RS é fruto do negacionismo anticientífico

21 de maio de 2024
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A tragédia ambiental que vem assolando o estado do Rio Grande do Sul é um exemplo devastador do que pode acontecer quando o negacionismo anticientífico e os interesses econômicos prevalecem sobre a razão e a responsabilidade. A situação é uma amostra do que pode ocorrer quando políticos negligenciam os alertas da comunidade científica. Quando os pesquisadores que, incansavelmente, trabalham para prever e mitigar esse tipo de desastre não são ouvidos, as consequências tendem a ser catastróficas.

O filme “Não Olhe Para Cima” serve como uma metáfora perfeita para esta realidade. Assim como na produção cinematográfica, que retrata uma catástrofe global que poderia ter sido evitada caso as autoridades valorizassem a comunidade científica, os alertas dos pesquisadores brasileiros foram frequentemente ignorados por políticos e líderes conservadores que seguem agendas neoliberais no Rio Grande do Sul há muitos anos.

O governador Eduardo Leite e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, se alinharam, de forma oportunista (ou ideológica, ou ambas), a setores radicalizados da sociedade para se eleger. Não por acaso, os dois têm históricos de ações que fragilizam a proteção ambiental. Nisso reside grande parte da responsabilidade em relação às inundações da capital gaúcha e de várias outras cidades do estado. Em 2019, Leite alterou 480 pontos do Código Ambiental do estado para facilitar o investimento privado, ignorando as previsões científicas. Melo, por sua vez, não investiu na manutenção do sistema de proteção da cidade contra enchentes.

A devastação, considerada uma das maiores da história do nosso país, poderia ter sido evitada ou, pelo menos, minimizada, caso esses governantes não tivessem demonstrado desprezo pelas evidências científicas e pela necessidade de ações preventivas.

E não foi por falta de aviso. Pesquisadores e cientistas têm alertado continuamente sobre as consequências das mudanças climáticas e a necessidade de políticas públicas efetivas para enfrentá-las. 

A tragédia no RS é uma consequência direta da ação humana e do descaso com o meio ambiente. Medidas poderiam ter sido tomadas, mas foram ignoradas. E a negligência se estende à infraestrutura do estado, incluindo as políticas de uso intensivo do solo e a especulação imobiliária. 

Dinheiro e poder acima da vida. Essa tem sido a regra. Tanto é que cientistas e pesquisadores que ousam denunciar a degradação ambiental enfrentam riscos cada vez maiores. Um estudo da Unesco neste ano revelou que dois de cada cinco pesquisadores do clima sofreram ameaças à sua segurança. Não é coincidência que esses ataques estão geralmente ligados à degradação da Democracia, ao populismo extremista e a ondas de desinformação.

A tragédia no Rio Grande do Sul revela, de forma alarmante, que o extremismo não tem componente apenas ideológico. Tem interesses financeiros também. Não só pelas decisões políticas que fragilizaram as ações ambientais, mas também pela forma como militantes e políticos extremistas estão lucrando com a disseminação de mentiras. É abjeto e abominável, mas eles ganham dinheiro com isso (sim, vídeos que viralizam com mentiras são “monetizados” por algumas redes sociais). E muitos ganharão votos posteriormente, mesmo que suas mentiras tenham contribuído para dificultar os resgates e as ações de solidariedade. Mesmo que isso tenha contribuído para aumentar o número de mortes (como já aconteceu durante a pandemia de Covid-19). Eles sabem que seus seguidores tendem a se engajar mais nas mentiras do que nas informações reais.

Isso é tão evidente que, mesmo em meio a essa catástrofe, que levará anos (e bilhões em recursos públicos) para ser materialmente reparada (e provavelmente, grande parte da população nunca conseguirá repor o que perdeu), grande parte do Congresso Nacional continua agindo para destruir a legislação ambiental. Estão comprometidos exclusivamente com interesses de grupos econômicos, e não com a proteção do meio ambiente ou com a vida das pessoas.

 

Acreditar na ciência

A ciência e a pesquisa nas universidades públicas são essenciais para evitar ou reduzir desastres ambientais. No entanto, a visão neoliberal de austeridade fiscal, defendida pelo mercado financeiro e pela mídia tradicional, continua ignorando a necessidade de investimentos em infraestrutura e tecnologia, comprometendo ainda mais a capacidade de nosso país de responder às crises que surgem. 

No Brasil, essas elites, mesquinhas e egoístas, fazem prevalecer uma política de austeridade que sufoca a capacidade de resposta a desastres e tentam impedir que o governo federal retome os investimentos nas universidades e institutos federais, como aconteceu no passado.

A tragédia no Rio Grande do Sul deve servir como um ponto de inflexão. As previsões e propostas do campo científico não podem continuar sendo ignoradas. A APUFPR segue defendendo a ciência, as universidades públicas e a categoria docente, lutando por políticas públicas que realmente protejam o meio ambiente e promovam um desenvolvimento sustentável.

Neste momento de crise, devemos continuar apontando os verdadeiros responsáveis pelo desastre, para que casos como este não voltem a se repetir. E também devemos ter o compromisso de reafirmar, sempre, a importância da ciência e da pesquisa pública. 

As universidades e os docentes federais desempenham um papel vital na compreensão e no enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas. Somente através do apoio e do fortalecimento das nossas instituições de ensino é que poderemos evitar que novas tragédias, como a do Rio Grande do Sul, se repitam.

Fonte: Apufpr


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