“Sem anistia!”: o grito que deve ecoar nos 60 anos do golpe

1 de abril de 2024
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Sem anistia: o grito que deve ecoar nos 60 anos do golpe militar
O estudante José Ferreira Lopes enfrenta a cavalaria do Exército com um estilingue no Centro Politécnico da UFPR. Paraná, Brasil, 1968. Autor da foto: Edson Jensen

A Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná (APUFPR) marca, com profunda reflexão, os 60 anos desde que o Brasil mergulhou em um dos capítulos mais sombrios de sua história. 

Em 1º de abril de 1964, um golpe cívico-militar, arquitetado pelas elites econômicas, políticos de espectro conservador e com o apoio decisivo de importantes grupos de mídia, desencadeou duas décadas de violência política, perseguição, supressão de direitos individuais, violações dos direitos humanos, silenciamento forçado, desaparecimentos, tortura e mortes. 

Curiosamente, esse marco se dá no “Dia da Mentira”, simbolizando a ironia cruel de um período recheado de falsidades e traições ao povo brasileiro. 

Neste momento de reflexão, devemos reafirmar uma mensagem que hoje assume caráter histórico atemporal: “Sem Anistia!”, um chamado à memória e à justiça. 

Não podemos esquecer a censura implacável imposta às universidades públicas e a perseguição a docentes da nossa universidade, como aconteceu com os professores José Rodrigues Vieira Netto e Almilcar Gigante, demitidos pelo regime militar.

Jamais esqueceremos da violação do Centro Politécnico da UFPR pela Polícia Militar em 1968, e da coragem dos estudantes que protestavam, com suas barricadas e estilingues, pela manutenção da gratuidade do ensino nas universidades públicas. Até hoje colhemos o fruto que eles plantaram. 

Mas muitos outros estudantes Brasil afora não tiveram a mesma sorte, e suas vidas foram precocemente ceifadas nos porões da ditadura. 

Os números são estremecedores: dos 434 mortos e desaparecidos não indígenas, 106 eram estudantes universitários, 12 docentes e 1 técnico-administrativo, segundo levantamento do professor Milton Pinheiro, da Uneb. 

A violência se estendeu com brutalidade também contra os povos indígenas, com 8.350 mortos e desaparecidos, conforme o relatório final da Comissão Nacional da Verdade. 

 

Sem anistia!

Nenhuma medida de reparação será suficiente diante de tamanha atrocidade, não só pela violência, mas pelo impacto social, cultural, político, emocional e psicológico que perduraram por décadas e mantiveram nossa jovem democracia em constante estado de fragilidade, até hoje. 

Por isso, é fundamental reconhecer que a anistia concedida aos militares em 1979 representa um dos maiores equívocos históricos do nosso país, por perpetuar a ameaça constante de retorno ao autoritarismo, como evidenciado pela participação ativa de militares no governo Bolsonaro e na tentativa de golpe para mantê-lo no poder, contrariando a vontade democrática expressa nas urnas em 2022. 

Precisamos de uma mudança cultural profunda para que as Forças Armadas compreendam seu papel republicano, com compromissos firmados nas obrigações constitucionais, não em interesses políticos, e que não acolham em seus quadros aqueles que foram agentes ativos da repressão. 

Temos o dever de promover, enquanto sociedade, a memória histórica, a educação sobre os perigos do autoritarismo e a valorização dos princípios democráticos. 60 anos depois, as mesmas paranoias fantasiosas usadas como justificativa para o golpe continuam sendo espalhadas com o mesmo intuito.

E se há uma revisão histórica necessária, é a revogação e anulação de todas as homenagens feitas a políticos e agentes da ditadura, seja em logradouros, espaços públicos, monumentos e títulos honoríficos. É inconcebível que seus nomes sejam eternizados em honrarias. A eles, basta, no máximo, as páginas dos livros de História, e somente no trecho em que é retratado esse triste capítulo da vida do nosso país, como um passado que foi deixado para trás, mas cuja lembrança servirá para que nunca se repita.

Precisamos seguir em frente, sem que o espectro do golpismo continue assombrando a atual e as futuras gerações. Nesse sentido, é fundamental também que não haja anistia para aqueles que, de qualquer forma, contribuíram para a tentativa de ruptura da ordem democrática antes durante e após as eleições de 2022. Sejam civis, militares, agentes públicos ou políticos, todos os formuladores, organizadores, financiadores e participantes da tentativa golpe para manter Jair Bolsonaro no poder devem ser julgados com o rigor da lei. 

Se nas mais diversas regiões do planeta o extremismo avança a passos largos, ameaçando até as democracias mais consolidadas, aqui no Brasil veio de coturno e de farda. Uma vergonha contra a memória daqueles que, décadas antes, deram a vida do outro lado do Oceano Atlântico para defender a liberdade, justamente contra o nazismo, que hoje serve como fonte de inspiração para os extremistas brasileiros. 

Por tudo isso, a APUFPR se levanta neste dia não apenas para repudiar as atrocidades do passado, mas também em vigilância ativa contra as ameaças que ainda pairam sobre nossa Democracia. É momento de unir forças em defesa dos princípios democráticos. 

Que a história nos guie na construção de um futuro no qual a liberdade, a verdade e a justiça prevaleçam para todos.

Ulysses Guimarães disse: “temos ódio à ditadura; ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania”

Ódio e nojo à ditadura. Sempre teremos.

 

Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná

1º de abril de 2024 – 60º aniversário do golpe cívico-militar

Sem memória não há futuro


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