Chamar professores de “doutrinadores” tem ligação com o aumento de ataques nas escolas (ou é só “coincidência)?

29 de março de 2023
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Desde antes da campanha presidencial em 2018, a extrema-direita brasileira reforça uma retórica que criminaliza os professores e promove uma visão simplista e distorcida da educação (na qual seu o papel seria apenas transmitir conhecimentos previamente elaborados, sem reflexão ou análise crítica). Mas isso piorou a partir da eleição de Jair Bolsonaro.
Em diversos discursos, Bolsonaro e seus apoiadores acusaram os professores de estarem doutrinando os alunos com ideias “esquerdistas” (na prática, qualquer coisa que discordasse deles, inclusive ideias de direita) e “corrompendo” a juventude brasileira (um discurso falsamente moralista, já que é vago, mas que engana multidões).
Esse discurso de ódio e intolerância tem incentivado extremistas de direita a atacarem verbal e fisicamente professores, bem como a promoverem boicotes e campanhas de difamação contra esses profissionais.
Muitos desses extremistas utilizam a acusação de “doutrinação” como um pretexto para atacar professores que tentam incentivar o pensamento crítico e a reflexão nos alunos.
Mas será coincidência que, entre 2002 e 2016, num período de 15 anos, houve 5 atentados em escolas, o que significava uma média de 0,3 por ano, enquanto de 2017 a 2022 (nos governos Temer e Bolsonaro), foram 7 ataques em 7 anos, média de 1 por ano, mais que o triplo, segundo dados do Instituto Sou da Paz?

Convergência entre elites e extremistas

O discurso que criminaliza professores que estimulam o pensamento crítico é um ponto em comum entre as elites brasileiras e os extremistas, que encontraram em Jair Bolsonaro sua expressão política mais tosca e tacanha.
As elites brasileiras temem que as pessoas olhem o mundo criticamente e questionem a realidade e a origem das mazelas da sociedade (causadas, em grande parte, pela absurda concentração de riquezas nas mãos dessas mesmas elites). Essa é a origem de movimentos como o Escola Sem Partido, por exemplo.
Já os extremistas, sabem que não conseguem sustentar suas ideias diante de pessoas capazes de racionar com lógica e que tenham um olhar mais humanizado da sociedade.

Violência estimulada

Se dependesse apenas de sua própria vontade, os extremistas iriam perseguir, agredir, prender ou mesmo matar professores que estimulam o pensamento crítico de seus alunos. Foi assim que aconteceu na ditadura militar aqui e em outros países. É isso que ainda acontece em países subjugados por regimes autoritários ainda hoje.
Mas como vivemos em uma Democracia (mesmo que repleta de falhas), eles não podem fazer isso com os professores. Então, mobilizam suas bases radicais, especialmente nas redes sociais e aplicativos de mensagens, para criar narrativas contra os professores.
O resultado desse clima de hostilidade e violência tem sido a crescente escalada de ataques ideológicos contra professores, que são frequentemente intimidados e agredidos, tanto verbalmente quanto fisicamente, dentro e fora das salas de aula. Essa situação cria um ambiente de insegurança e medo nas escolas, afetando tanto os professores como os alunos.
Basta lembrar os ataques ideológicos contra professores foram muito incentivados pelo governo Bolsonaro e pelos grupos extremistas de direita que o apoiam. Além das acusações de “doutrinação”, é comum espalharem mentiras, como o que fez o ex-ministro Abraham Weintraub ao fazer milhões acreditarem em fake news sobre plantação de maconha e produção de drogas em laboratório de universidades públicas (ele foi condenado posteriormente pela Justiça por essas mentiras).
Os extremistas estão ensinando aos jovens brasileiros que a solução para divergências, conflitos ou angústias é a violência. E o estímulo à violência, junto com a criminalização da figura do professor e da escola pública, está levando jovens a despejar o ódio contra as comunidades escolares (afinal, essa mesma violência coletiva não acontece contra outros setores da sociedade).

Governo Bolsonaro estimulou o extremismo

Durante o governo Bolsonaro, a extrema-direita brasileira encontrou suporte em espaços virtuais como fóruns, sites, blogs e comunidades fechadas, onde propagavam discursos fascistas, extremistas e até neonazistas entre os jovens internautas.
Embora alguns desses espaços tenham desaparecido, deixaram um legado de discurso e vocabulário presentes até hoje em grupos de Telegram, canais de YouTube e outras comunidades virtuais.
De acordo com um relatório assinado pelo professor e pesquisador Daniel Cara (USP) e outras 12 pesquisadoras e colaboradoras, várias atitudes do governo Bolsonaro ajudaram no aumento de atentados a escolas, incluindo a flexibilização do porte de armas e incentivo à visão armamentista, facilitação para abertura de clubes de tiro e o incentivo à perseguição de professores nas escolas públicas, acusados de estarem “doutrinando” alunos, ao abordarem assuntos vistos como “de esquerda” (na verdade, qualquer abordagem que não fosse de apoio à visão de Bolsonaro).
O próprio discurso do ex-presidente sobre minorias contribuiu para essa lógica discursiva de que os problemas do país são da luta pelos direitos humanos, do respeito à lei e da luta contra a desigualdade.
Não é coincidência o rápido crescimento de células e grupos neonazistas nos últimos anos, que adotam o mesmo discurso bolsonarista de que há sempre alguma “ameaça interna” (novamente, qualquer coisa que não se alinhasse a Bolsonaro) que precisa ser enfrentada e dizimada.

Como acabar com a paranoia coletiva

A retórica extremista desses grupos alimenta o medo e a intolerância, fomentando a violência e a exclusão social. Infelizmente, essa situação tem afetado não apenas os professores, mas toda a sociedade brasileira, gerando mais medo e insegurança, especialmente entre os jovens e adolescentes.
Para a APUFPR, combater a violência contra professores e comunidades educacionais e promover um ambiente de diálogo e respeito tem que ser um compromisso assumido por toda a sociedade brasileira, que deve se mobilizar contra a retórica extremista. Simultaneamente, as autoridades devem tomar medidas efetivas para combater a violência e o discurso de ódio em todos os espaços.
Por isso, é fundamental que as escolas e os pais dos alunos participem ativamente na prevenção de atentados, investindo em medidas que incentivem o diálogo, o respeito às diferenças e a compreensão sobre a importância de garantir a liberdade de cátedra aos professores de todos os níveis educacionais.

Fonte: APUFPR


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