Ataque à escola de Cambé-PR, a liberdade de expressão e o extremismo

20 de junho de 2023
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Os veículos de imprensa ainda estavam noticiando o ataque por um jovem, ontem (19), que resultou na morte de estudantes de uma escola em Cambé, no norte do estado do Paraná, quando militantes, influencers e políticos de extrema-direita já correram para as redes sociais para tentarem construir versões alternativas dos fatos.

Por que eles se apressaram tanto em fazer parecer que o ataque não tinha teor ideológico e que o fervor armamentista dos extremistas não tinha nada a ver com aquilo? Autoridades do estado também se apressaram para divulgar a versão de que o jovem que realizou o ataque sofria de esquizofrenia. Mas seria apenas isso?

 

Extremismo estimulado: a solução “fácil”

Apesar de as investigações estarem apenas começando, há sérios indícios de que o ataque teve, novamente, componente ideológico, como nos casos mais recentes ocorridos em diferentes regiões do país.

O jovem, de 21 anos, foi estudante do mesmo colégio onde praticou os crimes. Alegou que sofreu bullying quando estudou lá e queria se vingar daquela imagem do passado. Não é diferente da explicação dada por outros assassinos que atacaram escolas nos últimos quatro anos, após a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, quando esse tipo de crime se tornou absurdamente mais frequente do que nas décadas anteriores.

Mas o que liga esse caso aos demais é a forma como o ataque aconteceu. O assassino havia gravado um vídeo usando uma “siege mask” (máscara do cerco, em tradução livre), considerada a “cara do novo fascismo. É o mesmo tipo usado em pelo menos outros três casos marcantes (a chacina que deixou sete mortos em Suzano (SP) em 2019; em um colégio em Aracruz (ES) onde três foram assassinados, em dezembro de 2022; e em São Paulo, neste ano, quando uma professora foi morta a facadas).

A mesma máscara foi usada por militantes do grupo extremista bolsonarista “300 do Brasil” (que na verdade, não passavam de 100), liderados por Sara Winter (presa por ameaças às instituições), por terroristas que tentaram dar o golpe no dia 8 de janeiro em Brasília, e por militantes de diversas organizações internacionais neonazistas.

O termo “siege” reflete à concepção de que as pessoas estão sob um cerco, em uma guerra, onde precisam agir contra algo ou alguém (sempre na ideia de que há um inimigo a ser combatido). Foi idealizado pelo neonazista americano James Mason, idealizador da Atomwaffen, cujos seguidores adotam a ideia de que é preciso acelerar a destruição das instituições para impor, rapidamente, uma nova ordem. 

Ou seja, seria precoce (e irresponsável) aferir apressadamente que o ataque em Cambé não teve influência dos discursos extremistas e que o assassino usou, por coincidência, um elemento visual de cunho extremista.

A questão é que esses jovens, que encontram no extremismo uma forma de expressarem sua revolta contra situações do passado (por exemplo, bullying) e do presente (miséria, desemprego, desalento, falta de perspectiva ou esperança), são apresentados a soluções fáceis para problemas complexos. Essa é metodologia encontrada por extremistas para crescer no meio das angústias da sociedade. Assim, resumindo tudo na base do oito ou oitenta, apresentam soluções imediatas e simplistas: “destrua”, “mate todos”. 

Dentro do espectro extremista, essa simplificação tem objetivos políticos muito claros: transformar todos em inimigos, atribuir a opositores todos os males do mundo, dar a impressão de que o seu lado é casto e santificado e o outro é o pecador e impuro que deve ser eliminado, parecer que os corruptos são sempre os outros e que sempre há um inimigo imaginário a ser combatido (daí a paranoia defasada de chamar de comunista tudo o que é contrário ao que eles defendem).   

É por isso que a relação de militantes, influencers e políticos de extrema-direita com esses casos é sempre ambígua: são forçados a se posicionar (muitas vezes, ficam calados e fingem que nada aconteceu), mas o fazem de forma condescendente, esforçando brutalmente para desviar o foco das causas verdadeiras.

 

“Liberdade” de expressão

As origens desse tipo de crime estão, muitas vezes ligadas a angústias do passado, também colocam o extremismo em xeque. Em sua vertente mais recente, os extremistas passaram a adotar a defesa da “liberdade de expressão irrestrita”. Ou seja, um pretenso “direito” de falar qualquer coisa, independentemente das consequências.

Segundo diversos estudos, esse pensamento é a base dos incontáveis casos de bullying em escolas norte-americanas que geram jovens destruídos psicologicamente, que se revoltam posteriormente e encontram na violência um meio de se vingar de coisas que aconteceram no passado. Via de regra, os crimes não têm a ver com as vítimas, mas com os locais onde ocorre. Só que a “liberdade de expressão”, tomada de forma absoluta, é o princípio gerador dessa violência, que depois gera mais violência. 

Soma-se a tudo isso o discurso armamentista e a facilidade de acesso a armas de grosso calibre, que são grandes facilitadores. Não é coincidência que, no Brasil, os ataques nas escolas tenham crescido tanto a partir do governo Bolsonaro, quando o acesso as armas foi facilitado (e sem controle por parte do governo, do Exército e das polícias) e o incentivo à violência como solução para os problemas partiu do próprio governo, de influencers e de políticos de extrema-direita com milhões de seguidores

Por isso, nos Estados Unidos os ataques às escolas são assustadoramente frequentes: foram 193 incidentes com armas de fogo em escolas só em 2021. Embora tenham 5% da população mundial, no país são registrados 31% dos tiroteios em massa do mundo, com uma média acima de 600 casos nos últimos três anos. 

Não por coincidência, um dos precursores do novo fascismo foi o escritor supremacista William Luther Pierce, que publicou o romance “Diário de Turner” e narra uma revolução violenta nos EUA, que causa a derrubada do governo através de uma “guerra racial” (extermínio sistemático de não brancos e judeus) após o Estado (chamado de “O Sistema” no livro, expressão repetida frequentemente por Jair Bolsonaro e seus seguidores) confisca todas as armas de fogo dos cidadãos e estabelece leis que “limitam a liberdade de expressão”. Seria apenas “coincidência” que esse mesmo discurso está presente nas hordas bolsonaristas?

 

Herança maldita

Ao que tudo indica, o Brasil ainda sofrerá muito por até que as ideias extremistas sejam eliminadas da sociedade. 

Militantes oportunistas, que encontraram no extremismo uma forma de crescer politicamente, ganhar votos e dinheiro, continuarão tentando impor sua visão deturpada e desumanizada de mundo.

Enquanto as plataformas digitais, como redes sociais e aplicativos de mensagens, não forem regulamentadas e enquadradas dentro de aspectos legais para serem responsabilizadas, discursos de ódio, estímulo à violência e à morte continuarão sendo espalhados livremente pelos usuários, e é provável que vejamos ainda muitos como esses ataques às escolas, às instituições e às pessoas, com evidentes aspectos ideológicos.

Ao mesmo tempo em que precisamos responsabilizar com severidade os propagadores de ideias extremistas, precisamos resgatar na população o senso de pertencimento coletivo, de humanidade e solidariedade. É preciso, com muita urgência, pacificarmos os ânimos e começarmos a construir uma profunda reflexão sobre os males que o extremismo continua causando em nosso país.

Fonte: Apufpr


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