A infantilidade das “lideranças” no debate da campanha salarial

21 de agosto de 2023
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Ao que parece, parte das lideranças sindicais realmente não aprenderam nada com tudo o que o Brasil viveu desde 2016, ano em que setores da política, das elites e da velha mídia se uniram para criar as condições que propiciaram o golpe que derrubou Dilma Roussef da Presidência da República e abriram caminho para que o extremismo passasse a ocupar cada vez mais o espaço da política tradicional.

Durante as negociações salariais na Mesa Nacional de Negociação Permanente, a direção do ANDES-SN e de outros sindicatos do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) resolveram abandonar o índice reivindicado e apresentado na Mesa em fevereiro (27%, equivalente às perdas durante governo Bolsonaro), por algo consideravelmente maior (53,17%, que seriam equivalentes à perdas desde 2010), o que, no cenário político atual, parece longe de ser viabilizado.

 

A doença do esquerdismo

Como escreveu Lênin, o esquerdismo é uma doença que afetava (e afeta) certos movimentos revolucionários, cujas lideranças são incapazes de conseguirem construir acordos e compromissos dentro da realidade. Ele também criticava os esquerdistas que desconsideravam a importância dos partidos políticos para a luta dos trabalhadores. 

Curiosamente, essas duas características são facilmente encontradas no discurso e na prática do agrupamento que dirige o ANDES-SN há quase 20 anos (lembremos que, na campanha eleitoral para o nosso Sindicato Nacional, eles enganaram os professores com o discurso de “independência de partidos”, mesmo que parte considerável do grupo fosse filiado a partidos e outras organizações políticas, o que representava, obviamente, uma grande hipocrisia intelectual).

Ao abandonar o índice apresentado anteriormente para exigir algo maior e pouco factível, as direções “revolucionárias” retomam a prática que, antes do golpe de 2016, compunham o discurso do “Fora Todos” que o ANDES e outras entidades adotavam e que contribuíram para despolitizar uma parcela considerável dos servidores que, em vez de rumar mais à esquerda e aos partidos deles, (sim, esse era o principal objetivo) foram no sentido contrário e abraçaram as ideias da extrema-direita que atacava “tudo que está aí” (ou seja, não só o governo democrático popular em vigor, mas os partidos e as organizações de esquerda que, mesmo de forma crítica, o apoiavam).

 

Desconexão da realidade

Ser dirigente sindical ou liderança política e social requer, ao mesmo tempo, o ímpeto de continuar seguindo em frente nas lutas e nas reivindicações independentemente do tamanho dos desafios, mas, também, a responsabilidade de agir com transparência e seriedade para não vender ilusões só para parecer que está agindo de forma “revolucionária” (afinal, sonhos e ilusões são coisas distintas).

Uma das características do esquerdismo são os discursos que desconsideram todos os elementos que são determinantes para a formação de uma determinada conjuntura política e social. 

É o que fazem as “lideranças” do ANDES e de outras entidades do Fonasefe ao atribuir exclusivamente ao governo Lula a responsabilidade pelas dificuldades em avançar na reivindicação de um reajuste salarial mais elástico, sem considerar que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, trava o avanço do novo arcabouço fiscal que, quando for aprovado, derrubará os efeitos da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o “teto de gastos” do governo e impede maiores investimentos em educação e outras áreas sociais.

Se o novo arcabouço fosse aprovado e mesmo assim o governo dificultasse as negociações, aí sim seria coerente cobrar de forma mais incisiva uma decisão política em benefício do funcionalismo federal. 

Em vez de centrar esforços para pressionar Lira e os partidos do “Centrão”, que impedem a aprovação do arcabouço, os dirigentes do ANDES-SN aumentam a aposta por algo que eles sabem que é virtualmente impossível de ser alcançado. Não consideram que essa postura dificulta a mobilização das bases das categorias.

Apesar de ser justa a cobrança por reposição da defasagem, não há justificativa plausível para estabelecerem 2010 como limite temporal. Poderiam exigir também as perdas dos governos Sarney, Collor e FHC, por exemplo. Ao que parece, a retomada da estratégia do “Fora Todos” volta à cena, mas, como explicou Lênin, a infantilidade esquerdista impede os “revolucionários” de enxergarem que o resultado provável seria o mesmo do passado recente, afinal, apesar de impedido de concorrer na próxima eleição presidencial e enfraquecido pelos escândalos do contrabando e venda de joias presidenciais no exterior, ele não perdeu sua capacidade de mover milhões de apoiadores, e a máquina de fake news e conteúdo de ódio dos extremistas continua funcionando. 

Além disso, as ideias que ele capitaneou permanecem contaminando parcelas gigantescas da população brasileira e de outros países, dificultando a pacificação dos ânimos da sociedade. E o enfraquecimento de diversos governos progressistas e de esquerda na América do Sul mostra que essa conjuntura de disputa radicalizada tende a se alongar por muito tempo. 

A disputa já é dura o bastante sem o combustível jogado pela fantasia esquerdista dos militantes partidários que se dizem contra partidos. Para fazer uma disputa centrada na realidade, eles poderiam aprender com Lênin o valor da experiência histórica real para a formulação das práticas políticas.

Mas aí, teriam que abandonar a infantilidade. O que sobraria para eles?

Fonte: Apufpr

 


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