A suspensão do calendário é legal e prerrogativa da UFPR e de seus conselhos superiores

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A suspensão de calendário durante as greves têm sido um procedimento corriqueiro há décadas nas Instituições Federais de Ensino – IFEs, e nunca foram objeto de questionamento ou ação judicial. Praticamente todas as instituições com greves prolongadas suspendem o calendário acadêmico. Veja-se o caso, atualmente, dos Institutos Federais, em greve desde 03 de abril. São 78 Institutos, com mais de 530 campi em greve; a quase totalidade com o calendário suspenso. No caso das Universidades Federais, 43 em greve atualmente, como a greve é mais recente (15/04), as suspensões de calendário iniciaram-se na última semana e também vem se irradiando pelo país, com 5 universidades, atualmente, tendendo a abarcar o conjunto das instituições.

Estranhamente, nos últimos dias, vêm circulando dois documentos de procuradores federais, solicitados pelas administrações do Colégio Pedro II (n. 00014/2024/NUMF/ENS-IFES/PGF/AGU) e da Universidade Federal do Paraná (n. 238/2024), interpretando a suspensão do calendário acadêmico, e a própria greve docente, como atos ilegais. Cabe salientar que esta nota e parecer são de natureza meramente opinativa, não possuindo força de lei, e assim devem ser tratados pela comunidade acadêmica.

Dada a preocupação de alguns docentes com a excentricidade das interpretações nos pareceres dos procuradores federais, o movimento docente optou por solicitar dois pareceres jurídicos a respeito do assunto. Um realizado pela assessoria Jurídica Nacional do Andes-SN (AJN. Nota Técnica) e outro, realizado pela assessoria jurídica da APUFPR-SSind (Consulta pela APUFPR).

Estes pareceres solicitados pelo movimento docente demonstram e corrigem os 5 principais equívocos interpretativos dos documentos das procuradorias, salientando a base legal e legítima da greve e da suspensão do calendário.

 

1) A suspensão do calendário não é um lockout, mas o exercício da autonomia universitária

Um dos argumentos dos pareceres da procuradoria federal é de que a suspensão do calendário acadêmico configuraria uma espécie de lockout, a paralisação dos serviços pelo próprio empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados.

Entretanto, o ato de suspensão não é uma decisão deflagrada pela Administração Pública como empregador. Pelo contrário, representa uma deliberação de toda a comunidade acadêmica, na medida em que os conselhos deliberativos que aprovam a medida são formados pelo conjunto dos segmentos da comunidade institucional, local e regional, nos termos do art. 56, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96).

A medida está abrangida pela autonomia didático-científica, administrativa e financeira assegurada constitucionalmente às Universidades (art. 207, da CF/88), que lhes confere a capacidade de decidir as formas de desenvolvimento de suas atividades letivas, incluindo a forma de execução do calendário acadêmico.

A suspensão de calendário, por óbvio, não pode ser equiparada ao lockout, a paralisação das atividades por iniciativa do empregador, medida vedada pela Lei de Greve (Lei n° 7.783/89).

O órgão deliberativo e normativo máximo das Universidades é o Conselho Universitário que, em resumo, pode decidir sobre praticamente qualquer tema de natureza acadêmica dentro da instituição, máxime em relação ao seu calendário de atividades. O resultado do processo decisório do Conselho Universitário é vinculante à Universidade, eis que a deliberação desse órgão máximo é a vontade da própria Instituição, que decorre de sua autonomia, instituto reconhecido há séculos.

 

2) A suspensão do calendário não é a negação dos direitos dos alunos, mas sua proteção 

Diferentemente do interpretado nos pareceres da procuradoria federal, a suspensão do calendário acadêmico não fere os princípios da liberdade de ensino e de aprendizado, dispostos no art. 206, II, da Constituição Federal. Em verdade, a não suspensão do calendário é que prejudicará os/as estudantes, já que os professores que não aderiram à greve farão com que o calendário seja indevidamente estendido. Nesse caso, os/as discentes teriam que participar das aulas e atividades por eles ministradas e, posteriormente, também, das aulas e atividades ministradas pelos professores que aderiram à greve.

A suspensão protege estudantes de eventuais constrangimentos e práticas autoritárias sofridos em virtude da continuidade de determinadas aulas, garantindo que não sofram penalizações pelo não comparecimento às atividades que ocorram ao longo do período de greve. Outrossim, garante, também, que o calendário seja devidamente recomposto de forma uniforme com o encerramento da greve, com a observância da carga de, no mínimo, 200 (duzentos) dias letivos, nos termos do art. 47, da LDB.

Dessa forma, a suspensão deve ser entendida como forma de garantir os direitos dos estudantes, protegendo-os de professores que, contrariando a decisão coletiva da categoria, insistem em, ilegitimamente, atribuir atividades aos discentes, que terão, com isso, excessivamente estendido o seu tempo de disponibilidade à universidade.

Diante disso, a suspensão se configura como medida necessária e legítima desde a deflagração da greve, com o intuito de assegurar o bem-estar da comunidade acadêmica e para garantir o cumprimento das responsabilidades sociais das Universidades.

 

3) A suspensão de calendário não implica suspensão de bolsas

Historicamente, as suspensões de calendário durante greves não implicam suspensão de bolsas de qualquer natureza. As suspensões do calendário devem sempre garantir os mecanismos de permanência dos/as estudantes, como as bolsas de monitoria, iniciação científica e extensão, bem como os auxílios de permanência. A ameaça de suspensão do pagamento de bolsas carece de fundamento legal, uma vez que não se trata de férias ou recesso acadêmico. As atividades, às quais as bolsas se vinculam, não estão sendo eliminadas, mas adiadas, visto que serão repostas. Assim como os salários não são cortados durante as greves, as bolsas tampouco podem sê-lo.

Registra-se ainda que, em observância ao art. 9, da Lei de Greve, a suspensão do calendário acadêmico não implicará na suspensão de atividades essenciais das Universidades. As bolsas, independentemente da natureza, envolvem a garantia da sobrevivência de grande parte dos/as estudantes, devendo ser mantidas.

 

4) Suspensão do calendário não implica corte de salários

Os pareceres dos procuradores argumentam que a suspensão do calendário, com a paralisação total das atividades, poderia justificar o corte de ponto e salários dos docentes e técnicos administrativos em educação – TAEs.

Todavia, essas conclusões afrontam o direito constitucional à greve (art. 37, inciso VI e VII, da Constituição Federal), na medida em que a paralisação é legal, nos termos da Lei nº 7.783/89, e constitucional.

Em síntese, o STF reconhece a possibilidade de tomada de medidas para suspensão do contrato (como corte de ponto, descontos salariais, etc.) em greves, salvo quando a greve se dê em razão de ato ilícito do Poder Público ou quando haja negociação para compensação dos dias parados. No caso da greve educação federal os dois aspectos estão presentes.

Por um lado, a greve decidida pela categoria docente está flagrante e notoriamente fundamentada em ato ilícito perpetrado pelo Poder Público, qual seja, o descumprimento injustificado pelo Poder Executivo do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, quanto à promoção anual da revisão geral de remuneração dos servidores públicos federais, do que decorreu a defasagem vencimental à carreira docente.

Ao mesmo tempo, em todas as greves das IFEs há reposição das atividades, compensando os dias parados, o que também exclui a possibilidade de corte de ponto e salários.

 

5) As greves na educação não são obrigadas a manter um percentual mínimo de funcionamento dos serviços

Os Pareceres também alegam que a suspensão do calendário em razão da greve resultaria em violação ao art. 9, § 1º, da Constituição Federal, posto que paralisaria o serviço público do ensino, indicando a Procuradoria Federal que tal serviço seria essencial.

Ora, realmente, todo serviço público apresenta grande importância e é de interesse geral da sociedade que seja continuado. Todavia, para fins do exercício legítimo do direito de greve, os serviços de educação não estão previstos no rol do art. 10 da Lei nº 7.783/89, que define os serviços essenciais, e que devem ser parcialmente mantidos em caso de paralisação, como é o caso dos serviços de saneamento básico, de energia elétrica, de saúde, de telecomunicações, dentre outros.

Diante disso, tendo em vista que o direito à greve está sendo exercido dentro das normas previstas pela Lei nº 7.783/89, não há fundamento para que a Autoridade Administrativa se oponha à suspensão do calendário acadêmico sob o fundamento de que se estaria paralisando um serviço público essencial, quando a própria legislação federal não prevê a educação no rol de “serviços ou atividades essenciais” para fins de greve, e nem poderia, sob pena de se criar um óbice ao direito constitucional de greve no serviço público.

Desse modo, percebe-se que os dois documentos da procuradoria federal apresentam conclusões que afrontam o direito constitucional à greve (art. 37, inciso VI e VII, da Constituição Federal), exercido nos moldes previstos pela Lei nº 7.783/89, e motivada por ato ilícito perpetrado pelo Poder Público, qual seja, o descumprimento injustificado do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, do que legitima manifestação do COUN a respeito de suspensão do calendário acadêmico.

 

Por fim, o Ministério Público Federal…

Além desses documentos, nesta quinta (09), à véspera da sessão do Conselho Universitário que deliberaria a respeito da suspensão do calendário, a administração da universidade recebeu um ofício do Ministério Público Federal (MPF) recomendando o cancelamento da sessão.

Sob o argumento de “proteção aos direitos individuais” dos não grevistas, o documento do MPF recomenda à Reitoria que utilize o “poder de polícia” dentro da universidade para garantir que “a matrícula e quaisquer outra (sic) atividades acadêmicas realizadas por professores e alunos não sejam invalidadas – mesmos aquelas não ligados (sic) estritamente a docência –, por conta da deflagração da greve dos professores e técnicos”.

É interessante perceber como a preocupação do MPF com os “direitos” dos não grevistas (uma pequena minoria) não encontra correspondência na defesa dos direitos legítimos não somente dos grevistas, mas do conjunto da comunidade universitária. Nenhuma palavra do MPF sobre as defasagens salariais, a degradação das IFEs, seu desfinanciamento, a piora da permanência estudantil, com aumento da evasão – todos motivadores das reivindicações da greve. Nenhuma palavra sobre os/as estudantes terem que assistir aulas de não grevistas agora, durante a greve e, depois, aulas de reposições dos grevistas, ao fim da paralisação, sendo obrigados a estender seu tempo de dedicação à universidade.

Temos visto nos últimos anos as consequências da interferência autoritária e criminalizadora de instituições como o MPF na vida pública. Agora, a onda judicializadora e criminalizadora se volta contra as universidades públicas. Não podemos admitir que UFPR, incluindo sua administração, seja subserviente ao MPF ou a qualquer outra instituição que tenha o objetivo de cercear a autonomia universitária.

Cabe à Reitoria se posicionar contrariamente à recomendação do MPF, defendendo os interesses do ensino público, e convocando imediatamente um COUN presencial e deliberativo a respeito da suspensão do calendário acadêmico.

parecer da Assessoria Jurídica Nacional
parecer da assessoria jurídica da APUFPR

Comando de Greve dos Docentes da UFPR


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