Um embuste augusto

cipollaO objetivo da burguesia, não só a brasileira, mas a mundial, é destruir tudo que representa despesa pública obrigatória. O Relatório de Análise Econômica dos Gastos Públicos Federais de 2016, elaborado pela Secretaria de Política Econômica, é claro sobre esse ponto: as duas iniciativas para diminuir a rigidez orçamentária são a reforma da previdência e “uma reforma mais ampla do gasto obrigatório que estabeleça um limite para a sua expansão”. O documento amplia o leque de rubricas para incluir além dos gastos obrigatórios, as despesas vinculadas da Educação e Saúde, o Bolsa Família e os Benefícios Sociais aos Servidores.

Não se entende por que adicionam despesas vinculadas à arrecadação uma vez que elas dependem do andamento da economia e são, portanto, pró-cíclicas. Mas é claro! O próprio PMDB na sua Ponte para o Futuro propõe “acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação” (p.9) e o “fim de todas as indexações” (p.10), inclusive o reajuste das aposentadorias de até um salário mínimo.

Esse grupo de despesas que o Relatório denomina de não-contingenciáveis apresentou um crescimento de 3,8 pontos percentuais em relação ao PIB entre 2006 e 2015. No entanto, esse aumento todo se deu nos anos 2014 e 2015 graças à contração do PIB. Portanto, o ataque significa que o governo quer uma estrutura de gastos ajustáveis às flutuações da economia. Tudo deve se adequar às instabilidades produzidas por um sistema cujo único objetivo é o lucro.

Mas o que são as despesas obrigatórias? As despesas obrigatórias são as despesas com previdência, salários dos servidores e outros benefícios como abono salarial, seguro-desemprego, pagamentos a pessoas deficientes, inválidas ou idosas. Não incluem os juros da dívida pública.

É interessante, pois o relatório do Banco Mundial, recém publicado sob o título de Um Ajuste Justo, começa justamente dizendo por quê não se deve começar pela dívida pública, mas sim pelos gastos que causam déficits primários, os déficits que não incluem os juros sobre a dívida. O relatório afirma que seria errado buscar solucionar o déficit pelo lado da dívida pública, pois ela é o efeito dos déficits primários anteriores. São esses déficits que devem ser atacados. É preciso “manter o foco na redução do déficit primário” (p.22).

A encomenda realizada pelo governo ao Banco Mundial rendeu frutos. As proposições do Banco Mundial se alinham, sob medida, à visão do comitê executivo da burguesia atualmente de plantão. É ao sabor desse tango que vão as proposições de rever os benefícios concedidos aos servidores públicos contratados antes de 2003; de reduzir em 20% a taxa de reposição das aposentadorias do RGPS que rege a aposentadoria dos trabalhadores do setor privado; de tributar os rendimentos previdenciários dos atuais aposentados e pensionistas; de reduzir os salários do funcionalismo público uma vez que segundo o relatório do Banco eles são 67% mais altos do que os salários do setor privado; reduzir pela metade o prêmio salarial dos servidores federais relativamente aos salários do setor privado; de reduzir em 40% os gastos com o ensino fundamental e médio; de aumentar a razão alunos/professor em 33%; de transformar a universidade pública em universidade paga com utilização do sistema de endividamento para estudar e bolsas para os 40% mais pobres.

Como se vê temos muito a combater. Por exemplo, o argumento de que a universidade pública é um gasto regressivo que beneficia os mais ricos e que termina por ampliar a desigualdade de renda. Ou seja, o ensino superior público como promotor de desigualdade social.

Para isso se valem do argumento de que 63% dos estudantes das universidades públicas se encontram na faixa de renda dos 40% mais ricos. Mas deveria dizer que se encontram naquela parte dos 40% que trabalham para sobreviver. Sim, pois o rendimento médio da faixa de renda entre 5 e 10 salários mínimos é de R$4700,00 ao mês. Quantos daqueles 63% se encontram nessa faixa? Quantos se encontram espremidos nos andares inferiores dessa faixa? Isso o relatório não revela! Aguardaremos os relatórios técnicos setoriais para ver.

Nenhuma palavra sobre o caráter regressivo da tributação brasileira na qual as alíquotas efetivas não se distinguem muito a partir da faixa de 20 salários mínimos, o que significa que quem ganha na base dessa faixa paga uma alíquota praticamente igual aos que ganham fortunas inimagináveis. Isso num país onde os 5% mais ricos detém 28% da renda tributável e o 1% mais rico 15%! Mas isso também faz sentido: segundo a Ponte para o Futuro a sociedade brasileira não pode mais suportar aumentos de tributação!

O documento do Banco Mundial inicia com um aperto de mãos: os agradecimentos aos comentários e à orientação de 29 secretários e coordenadores do governo, a grande maioria deles ligados ao Ministério da Fazenda e em segundo lugar à Casa Civil. Um documento concebido, cordialmente, a quatro mãos, como se vê.

Referências

Secretaria de Política Econômica. Relatório de Análise Econômica dos Gastos Públicos Federais. Evolução dos Gastos Públicos Federais no Brasil: Uma análise para o período 2006-2015. Maio de 2016.

Banco Mundial. Um Ajuste Justo: Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil. Volume I: Síntese, Novembro de 2017.

Secretaria de Política Econômica. Relatório da Distribuição da Renda e da Riqueza da População Brasileira: Dados do IRPF 2015/2014. Maio de 2016.

* Francisco Paulo Cipolla é professor do Departamento de Economia da UFPR


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