Solidariedade aos cientistas que recusaram condecoração do governo Bolsonaro

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Solidariedade aos cientistas que recusaram condecoração do governo Bolsonaro

Desde o começo da epidemia de Covid-19, ainda no ano passado, o Brasil vem convivendo com o negacionismo científico do governo de Jair Bolsonaro que transita entre o charlatanismo e ameaça à saúde pública de toda a população.

Entre cortes de recursos para esvaziar a pesquisa nacional (inclusive de vacinas contra o novo Coronavírus) e a falta de rumo de um setor comandando por um ministro ex-astronauta (Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia) classificado como burro por outro ministro, o ‘posto Ipiranga’ (Paulo Guedes, da Economia), o Brasil segue vivendo uma chanchada comandada por gente caricata (que parece saído de um filme dos anos 80) e, ao mesmo tempo, perigosa.

Por isso, muitos cientistas renomados que foram elencados para receber a medalha de Ordem do Mérito Científico das mãos do governo de Jair Bolsonaro estão recusando a condecoração justamente por considerar que não é lá muito mérito ser lembrado por um governo que trata a ciência como sua inimiga.

 

Para piorar, o autoritarismo corriqueiro

Diferentemente das democracias, onde premiações e condecorações são usadas para valorizar pessoas que desempenharam algum papel de destaque, governos inclinados à tirania (categoria na qual se enquadra o governo de Jair Bolsonaro) usam essas distinções principalmente para massagear o ego de apoiadores, garantindo uma sobrevida à fidelidade, especialmente diante de atos cruéis e desumanos (4 em cada 5 das 600 mil mortes por Covid-19 é suficiente para se encaixar nisso).

Não à toa, o governo atual distribui comendas, medalhas e honrarias aos membros do próprio governo e a pessoas do seu círculo fiel, incluindo políticos, esposas, youtubers, disseminadores de fake news, empresários investigados etc. Uma farra para massagear egos e manter olhos fechados de quem não quer enxergar a realidade.

Ao mesmo tempo, um governo tirano veta politicamente pessoas que poderiam ser condecoradas por mérito, mas não são alinhadas – ou são críticas – ao governante.

É justamente isso que ficou comprovado em um novo arroubo autoritário do presidente Bolsonaro, que resolveu revogar a concessão das medalhas de Ordem do Mérito Científico ao médico infectologista Marcos Vinícius Larceda, da Fiocruz, e à diretora do Instituto Leônidas & Maria Deane da Fiocruz, Adele Schwartz Benzaken, dois dias depois de publicar os nomes no Diário Oficial da União.

Evidentemente que não faltavam atributos a ambos pela valorosa contribuição ao desenvolvimento da ciência brasileira. Só que seus estudos são exemplos dos motivos pelos quais Bolsonaro odeia a ciência: revelam os crimes do governo e provam fatos que não podem ser refutadas por memes de internet ou fake news.

Lacerda foi um dos responsáveis pela pesquisa, no Amazonas, que apresentou evidências sobre a ineficácia do uso da cloroquina no tratamento de pacientes graves com Covid-19. Uma das descobertas é de que altas doses do medicamento em casos graves podem ter contribuído para acelerar a morte de pacientes. Já Adele Benzaken deu relevantes contribuições na formulação de políticas públicas para o Controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais (lembrando que Bolsonaro tentou espalhar uma mentira sobre a ligação entre a vacinação e a AIDS, causada pelo HIV).

“Fica evidente que o governo federal fez a cassação depois de saber que os dois cientistas renomados conduziam pesquisas cujos resultados contrariavam interesses de políticas governamentais, agindo como censor da pesquisa, sem o devido respeito à verdade científica e à diversidade”, afirmou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que compõe o comitê científico que escolhe a lista de condecorados junto com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Governo Federal.

 

Postura ética na atual conjuntura, isso sim merece valorização

Até agora, mais de 20 cientistas renunciaram às medalhas da Ordem do Mérito Científico, tanto por não considerarem condizentes com suas trajetórias como em solidariedade aos cientistas destituídos da honraria e perseguidos por Bolsonaro e seus apoiadores.

Um grupo desses cientistas que seriam homenageados publicaram uma nota com as justificativas que os levaram a recusar a condecoração. Um dos que assinaram a nota coletiva é o professor Aldo José Gorgatti Zarbin, da UFPR, que estará presente na nossa reunião de pesquisadores contra os cortes no dia 18.

Nada mais justo que, no futuro, esses mesmos cientistas sejam novamente elencados para receber a honraria das mãos de um outro governo que apoie a ciência.

A Ordem foi instituída por decreto em 1993 para prestigiar brasileiros e estrangeiros que ganharam destaque por suas contribuições na área da ciência ou tecnologia. Mesmo com alterações posteriores, manteve a prerrogativa de o presidente da República ser sempre o Grão-Mestre da Ordem, e o ministro da Ciência e Tecnologia sempre o Chanceler. Há duas classes de condecoração: a da Grã-Cruz, que tem 500 vagas, e a de Comendador, com 800 vagas. A lista de nomes publicados (28 para a primeira classe e dez para a segunda) foi estabelecida em 2019, mas o governo estava segurando (justamente para não valorizar os cientistas). Agora, muito convenientemente, resolveu liberar as honrarias bem no momento em que é extremamente criticado por seu negacionismo científico.

 

Mas vejam só

Mesmo cometendo todo tipo de ataque à ciência, Jair Bolsonaro condecorou a si mesmo com o mais alto título da Ordem Nacional do Mérito Científico: o grão-mestre. Muitos ficaram chocados com a notícia (já que soa como uma gigante hipocrisia), mas, nesse caso a honraria é quase ‘automática’, Bolsonaro apenas seguiu uma regra que já vale há quase de três décadas (além disso, ser hipócrita é algo que não incomoda o presidente).

Talvez ele se satisfaça com mais essa auto-honraria para massagear o próprio ego junto a tantas outras, especialmente porque não pretende ser coerente o suficiente para abrir mão de algo que ele mesmo sabe que não tem mérito algum para receber (como dissemos anteriormente, isso não incomoda essa gente).

 O que ele poderia fazer para não envergonhar ainda mais a ciência nacional (embora tenhamos a sensação de que passar vergonha é um hobby para ele – Freud explica), era recusar o prêmio a si mesmo. A irônica ‘antipremiação’ de “fóssil do dia” (que existe desde 1999), dada durante a COP26 (conferência climáticas da ONU) por ativistas ambientais internacionais ao presidente brasileiro por seu tratamento “horrível e inaceitável aos povos indígenas” representa a realidade com muito mais fidelidade.

Diretoria da APUFPR

8 de novembro de 2021


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