Sem MP, pontos polêmicos da reforma trabalhista vão depender de decisões da Justiça

Contrato intermitente e validade da reforma são principais preocupações.


 
A decisão do governo e de parlamentares de abandonar a medida provisória (MP) 808, que faz ajustes na reforma trabalhista, deixa no limbo a espinha dorsal na nova legislação: sua abrangência. O texto da MP diz que a reforma “se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes”. Ou seja, a todos, inclusive aqueles firmados antes da vigência das novas regras, em 14 de novembro de 2017. Sem a medida, a aplicabilidade da reforma fica nas mãos do Judiciário. E, enquanto não houver um posicionamento claro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), caberá aos juízes de instâncias inferiores tomarem a decisão livremente, o que eleva a insegurança jurídica e pode adiar os efeitos positivos das mudanças na CLT.
Além da abrangência, a MP esclarecia e criava regras para questões importantes, como exclusividade e indenização, dentro das novas relações trabalhistas.
No início de fevereiro, o TST criou uma comissão para tratar dessa questão. Essa equipe, formada por nove ministros, vai apresentar uma proposta à comissão de jurisprudência do Tribunal. Foi dado prazo de 60 dias para os trabalhos, mas ele pode ser ampliado diante do recesso e feriados ocorridos.
Para o governo, já estava claro, desde a aprovação da lei, que ela se aplica a todos os contratos. Mas, diante da polêmica levantada por advogados trabalhistas, Ministério Público e entidades representativas do Judiciário, o Planalto decidiu incluir um artigo na MP para esclarecer o assunto. Assim, ao desistir de votar a MP, o tema continua em suspenso.
Tanto para o Planalto quanto para os parlamentares que aprovaram a reforma, o mais prudente neste momento é deixar a proposta perder a validade, conforme antecipou o GLOBO. Isso porque o texto recebeu quase mil emendas, sendo a maioria delas apresentadas pela oposição, buscando restabelecer a legislação trabalhista e, sobretudo, a volta do imposto sindical obrigatório.
— Há risco de reabrir a discussão e haver retrocesso. O nosso compromisso era enviar a MP. Os parlamentares decidiram segurar — disse uma fonte do governo.
 
pacificação por jurisprudência
Na avaliação de especialistas, o impasse aumenta a insegurança, em um momento em que empregadores já viam a nova legislação com cautela, porque pode levar anos para que os tribunais cheguem a uma conclusão.
— Essa dúvida será solucionada caso a caso, com a possibilidade de muita decisão divergente. Isso só vai ser pacificado depois de muitos anos de discussões, quando o TST se debruçar no processo e, por maioria, estabelecer uma jurisprudência pacificadora — afirma Otávio Pinto e Silva, sócio da área trabalhista do Siqueira Castro Advogados e professor da USP.
A advogada Andrea Giamondo Massei Rossi, sócia do Machado Meyer, também destaca que o entendimento dos tribunais será decisivo. Mas lembrou que a reforma restringe o poder do Judiciário, ao prever que súmulas não podem “criar obrigações que não estejam previstas em lei”.
— Embora a reforma tenha limitado um pouco a possibilidade de a Justiça interferir na legislação, a jurisprudência vai definir uma série de tópicos — afirma.
Caso a MP não seja votada até o dia 23 deste mês, ela perderá validade. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não pode pautar a proposta porque ainda não há nenhum texto elaborado pela comissão especial para tratar da matéria. Entretanto, segundo o parlamentar, a MP “não é necessária para garantir a validade da ampla reforma trabalhista feita no ano passado”. A comissão nem chegou a ser instalada. Nos bastidores, tanto Maia, quanto o provável relator, deputado Rogerio Marinho (PSDB-RN), teriam atuado para engavetar o texto.
O governo, segundo técnicos, está em compasso de espera para decidir o que fazer a partir da caducidade da MP, porque isso deixaria no vácuo várias questões importantes, como perda na arrecadação com a retirada da base de cálculo do FGTS e da Previdência das chamadas gratificações de função, como chefes de departamentos, coordenadores, gerentes, diretores e demais cargos comissionados. A partir da caducidade da MP, já haveria perda de receita da Previdência na folha de maio.
Os trabalhadores também podem ser prejudicados e terão de pagar 50% da remuneração no caso de não cumprimento de contrato intermitente. Garçons podem sair perdendo porque a reforma revogou por erro alguns artigos da lei da gorjeta. O governo quer aproveitar a tramitação de alguma MP com objetivo semelhante para incorporar artigos mais sensíveis, mas ainda não há definição.
A volta às regras originais para contrato intermitente também é um ponto que preocupa especialistas. Uma saída, na avaliação da advogada Flávia Azevedo, sócia da área trabalhista do Veirano Advogados, seria editar uma nova legislação focada neste ponto:
— Voltar para a redação original é um retrocesso.
A provável perda de validade da medida provisória (MP) que altera a reforma trabalhistaaumenta o grau de insegurança jurídica entre as empresas, que já estavam cautelosas em relação à nova legislação. A avaliação é de advogados consultados pelo GLOBO, que destacam as mudanças em relação ao trabalho intermitente e a incerteza sobre a validade da lei para todos os contratos como principais pontos de dúvida. A expectativa é que os temas só sejam resolvidos a partir de decisões da Justiça do Trabalho, um processo que pode demorar anos.
O escritório Veirano Advogados listou pelo menos 11 pontos que devem causar dor de cabeça. Dois deles têm alto impacto: as mudanças nas regras dos contratos intermitentes e as regras para gorjetas. A do trabalho intermitente é a mais abrangente. A MP acrescentou vários artigos à legislação, detalhando, por exemplo, como deve ser a contribuição previdenciária para trabalhadores que não recebem, ao fim do mês, um salário mínimo (o que é possível, porque o trabalho pode ser por hora, por exemplo). Outra novidade foi a criação de uma quarentena de 18 meses para a recontratação de um trabalhador demitido como intermitente.
— Quanto mais remendos vai fazendo ao texto original, mais insegurança se traz. Estamos falando de uma lei que entrou em vigor em novembro. Não tem nem seis meses de vigência e podemos ter uma nova MP ou um novo projeto de lei. Acho que nesse momento, o melhor seria a manutenção da MP ou se trabalhasse com uma nova redação modificada e focada em pontos específicos, como esclarecer o trabalho intermitente. Voltar para a redação original é um retrocesso — avalia Flávia Azevedo, sócia da área trabalhista do Veirano.
Outro ponto crítico é a validade dos novos contratos. A MP diz, especificamente, que as regras valem para “todos os contratos vigentes”, o que inclui os antigos. O texto original deixa isso implícito, na avaliação de especialistas. Para Otávio Pinto e Silva, sócio da área trabalhista do Siqueira Castro Advogados e professor da USP, esse é um dos pontos que serão decididos pelo entendimento dos tribunais.
— A MP veio para tirar essa dúvida (sobre a validade para contratos antigos). Caindo a MP, volta a ficar com uma dúvida sobre a validade ou não das aplicações estabelecidas pela reforma. Essa dúvida será solucionada caso a caso, com a possibilidade de a gente ter muita decisão divergente. Isso só vai ser pacificado depois de muitos anos de discussões, quando o TST se debruçar no processo e por maioria estabelecer uma jurisprudência pacificadora — afirma o especialista.
A advogada Andrea Giamondo Massei Rossi, sócia do Machado Meyer, também destaca que o entendimento dos tribunais será determinante. Mas lembrou que a própria reforma restringiu o poder de ação do judiciário, ao destacar que as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) não podem “restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”.
— Embora a reforma tenha limitado um pouco a possibilidade da Justiça do Trabalho interferir na legislação, acho que a jurisprudência vai definir uma série de tópicos — afirma.
Pela Constituição Federal, o Congresso Nacional é obrigado a editar um decreto legislativo quando uma MP não é convertida em lei. O texto, no entanto, não pode ser uma nova MP. Deve se restringir a definir as consequências para os contratos firmados durante a vigência do texto provisório.
Por isso, a expectativa dos advogados é de que, enquanto não se forma uma jurisprudência, um novo projeto de lei seja votado para preencher as lacunas do texto original que voltará a valer. Enquanto isso, preveem que empregadores continuarão cautelosos na adoção das novas regras.
— É um cenário caótico. Qualquer emenda vai sair pior que o soneto. O melhor seria converter a MP dentro do prazo — avalia o advogado Raphael Zaroni.
 
Fonte: O Globo, 03 de abril de 2018


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