Relatório denuncia violações de direitos humanos dos Guarani do Oeste do Paraná

“Você tem que ir agora, se não quiser morrer aqui mesmo. Fiquei assustado, mas tive coragem e falei: se você quiser fazer alguma coisa, matar alguém do nosso povo, pode matar. Se tem coragem me mata agora. Mas ele não me matou. Deu cinco tiros pra cima e foi embora. Eram mais de cinquenta. Muitos, muita gente”. Esse é um dos relatos sobre a realidade de povos indígenas que vivem às margens do Rio Paraná, no Oeste do estado, reunidos no relatório “Guaíra & Terra Roxa sobre violações de direitos humanos contra os Avá Guarani”. 
 
O estudo foi lançado no município de Guaíra, na última quarta-feira (9), Dia Internacional dos Povos Indígenas. A data contou com várias mobilizações pelo país contra a tese do Marco Temporal, que deve ser votada nesta quarta-feira (16) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os retrocessos impostos aos direitos dos povos originários, em especial pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
 
O relatório traz violações aos direitos humanos cometidos contra os quase dois mil Avá Guarani que habitam a região. A equipe de oito pesquisadores – entre indígenas e não indígenas – visitou pelo menos três vezes cada uma das 14 aldeias da região, com o propósito de fazer entrevistas, reunir dados e documentos que comprovassem essas violências e violações. O relatório foi elaborado pela Comissão Guarani Yvy Rupa, com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
 
Além de ouvir o testemunho direito de indígenas, o grupo colheu depoimentos de não indígenas que trabalham em contato permanente com as comunidades. “O objetivo deste trabalho é dar voz as comunidades Guarani do Oeste do Paraná. É trazer ao conhecimento das autoridades as violações que nosso povo sofre e também ser um documento de fortalecimento de nossa luta pelo direito a terra, a saúde, a educação diferenciada como previsto na Constituição”, explica Alexandre Ferreira, da coordenação da Comissão Guarani Yvy Rupa.
 
O objetivo de caciques e lideranças Guarani é que o relatório chegue ao conhecimento de entidades e organizações internacionais. “As autoridades locais e estaduais sabem o que acontecem aqui nas nossas comunidades, estão cansados de saber e não fazem nada. Por isso queremos que essas denúncias cheguem a autoridades maiores, cheguem até as organizações internacionais para que saibam que no Oeste do Paraná não se respeita a Constituição e os tratados internacionais”, diz Paulina Martines, liderança da aldeia Tekoha Y’hohy.
 
Proteção
A publicação revela a negação de direitos básicos fundamentais, tais como o acesso à água, ao saneamento básico e aos serviços de saúde e educação. Além disso, reúne diversos casos de violências físicas, agressões, tentativas de assassinato e os inúmeros casos de preconceito contra indígenas no Oeste do Paraná.
 
Todas essas situações são acompanhadas pelo Ministério Público Federal, que também foi fonte do documento e que desde novembro do ano passado tem ampliado sua atuação de proteção às comunidades tradicionais de Guaíra e Terra Roxa, tanto os povos indígenas quanto os quilombolas, como explica o procurador Dermeval Ribeiro Vianna. 
 
“Temos a missão constitucional de ouvir as comunidades, suas necessidades e resguardar seus direitos previstos na Constituição Brasileira e dentro dos ditames da Corte e Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nosso papel é buscar a resolução dos conflitos agrários e das violações de direitos fundamentais”, aponta.
 
Para o procurador, a violação dos direitos fundamentais – como acesso à luz, alimentação, saneamento básico, educação – está diretamente ligada à questão territorial. “Essa região sofre com a ausência de demarcações, não há nenhuma terra demarcada em Guaíra e Terra Roxa e, a partir do momento que eles não têm terras, esse povo sofre um dano espiritual. São territórios em batalhas judiciais, não conseguem acesso a luz, não tem moradia adequada, os serviços públicos não chegam, há casos de desnutrição, vivem de cesta básica em situação de vulnerabilidade e miséria”.
 
A ausência de demarcações na região é alvo de uma das ações civis públicas do MPF que requer condenação da FUNAI. Além disso, o órgão tem agido extra judicialmente, expedindo recomendações e notificações a entidades que promovem o preconceito e a violência contra os indígenas. Uma delas é a intitulada “ONGDIP” – Organização Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade.  
 
“Há inquéritos policiais em andamentos, algumas ações penais já foram ajuizadas no passado contra pessoas que promoviam manifestações de preconceito e expedimos recentemente uma recomendação, há um mês, para que uma dessas “ONGs” retire de sua página manifestações de ódio e façam controle de suas publicações por parte de terceiro”, comenta o procurador, explicando que o MPF está sempre em vigilância e recebendo denúncias tanto na forma física ou virtual. 
 
Marco temporal: o novo ataque ruralista
Uma das principais bandeiras dos grupos contrários aos direitos territoriais indígenas e quilombolas, com forte representação no Congresso Nacional e no governo federal, é o chamado “marco temporal” – uma tese político-jurídica inconstitucional, que estabelece que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
 
Em 2004, o Partido Democratas (DEM) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, questionando o decreto 4887/2003, que regulamenta a titulação das terras dos quilombos e a demarcação de territórios indígenas. O julgamento se estende desde 2012 e será retomado nesta quarta-feira (16).A tese ignora o histórico de remoções forçadas e outras violências sofridas ao longo de séculos pelos povos indígenas e quilombolas. 
 
Em meio às negociações do presidente Michel Temer para evitar seu afastamento da presidência, os ruralistas do Congresso conseguiram emplacar essa pauta no governo federal. Temer assinou, em julho, um parecer da Advocacia Geral da União obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas – inclusive visando influenciar o STF.
 
II Etapa do Curso de Formação Política e Sindical abordará questão indígena 
Nos próximos dias 18 e 19, a cidade de Dourados (MS) receberá a segunda etapa, de uma série de quatro, da edição de 2017 do Curso Nacional de Formação Política e Sindical do ANDES-SN, que tem como eixo central: “Movimentos Sociais: exploração, opressão e revolução”. O segundo encontro, cuja temática é “Indígenas, opressão pelo viés de classe na perspectiva revolucionária”, terá atividades na sede da Associação dos Docentes da UFGD (Adufdourados – Seção Sindical do ANDES-SN, na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e também saídas de campo, com visita à Reserva Jaguapirú e à escola da Aldeia Panambizinho. Saiba mais.
 
*Com edição e inclusão de informações do ANDES-SN

Fonte: Brasil de Fato


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