“O objetivo desta reforma é desamparar as mulheres”, diz professora da UFRJ

14 de março de 2017

imp-ult-380596538O ANDES-SN entrevistou Denise Gentil, professora e pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre os ataques contidos na contrarreforma da Previdência – Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16 – enviada pelo governo Temer ao Congresso no final do ano passado.

A proposta atingirá diretamente as mulheres ao igualar as idades e tempo de contribuição de mulheres e homens, por ignorar a jornada de trabalho, a rotatividade e as oportunidades no mercado de trabalho. Além de desamparar as mulheres viúvas e que cuidam de pessoas com deficiência nas famílias.

ANDES-SN: A PEC 287 pretende igualar a idade e tempo de contribuição a Previdência Social de homens e mulheres. Essa mudança aumentará a desigualdade de gênero?

Denise Gentil: A PEC 287 é machista, ela aumenta o tempo de contribuição das mulheres e, particularmente, das trabalhadoras rurais em 10 anos e fará com que muitas delas não consigam se aposentar. A justificativa para essa medida é que as mulheres não desejam mais casar, não tem filhos, o seu nível de escolaridade aumentou, elas estão ganhando mais do que ganhavam antes. São informações que não são integralmente verdadeiras.

ANDES-SN: As mulheres trabalham, em média, 8 horas a mais que os homens ao longo de uma semana, juntando com o trabalho doméstico.

Denise Gentil: Em 2014, as mulheres trabalharam, em média, 35,5 horas semanais para o mercado de trabalho e eles 41,6 horas. E as mulheres trabalham menos no mercado de trabalho, porque elas trabalham nas tarefas domésticas, 19,2 horas por semana e os homens apenas 5,1 horas, segundo dados do Pnad de 2014. A taxa de desemprego das mulheres é o dobro dos homens. E hoje elas ganham 70% dos salários dos homens, tempo de trabalho mais elevado.

Se uma mulher e um homem começarem a trabalhar aos 16 anos quando ambos se aposentarem aos 75 anos de idade, as mulheres terão trabalhado 9,6 anos a mais que os homens. A nova regra é punitiva para as mulheres, pois elas terão trabalhado quase 10 anos a mais que os homens em função da jornada total de trabalho feminina, que é mais alta.

Em média, uma mulher ocupada acima dos 16 anos, trabalha quase 73 dias a mais que um homem em um ano. Claro que tem mulheres que trabalham muito mais que isso, como as trabalhadoras da área rural. É algo absolutamente chocante. E como a reforma atingirá, também, as pensões, as mulheres serão muito atingidas.

ANDES-SN: Muitas mulheres abdicaram de uma carreira, por questões culturais e machistas, e a família era sustentada pelos maridos. Com o falecimento do provedor da casa, muitas mulheres dependem das pensões para se sustentar e a seus filhos.

Denise Gentil: Nós estamos indo na contramão do que está acontecendo no resto do mundo. O resto do mundo não está olhando para os dados demográficos, dizem que a expectativa de vida das mulheres é maior que a dos homens e, portanto, elas precisam trabalhar por mais tempo. O que o resto do mundo está olhando é para o mercado de trabalho, na Suíça, na França e demais países europeus, quando a mulher – mesmo solteira – demonstrar que cuidou de idosos, de crianças da família, ela terá um abono na redução da idade para se aposentar.

Se ela provar que ficou muito tempo desempregada, também terá um abono e o estado pagará a contribuição por ela. Então, no resto do mundo, o que você vê é um amparo às mulheres. Aqui no Brasil, o governo Michel Temer, é tão conservador e retrógrado, que o objetivo da reforma é desamparar as mulheres. As pensões serão reduzidas para um valor inferior ao salário mínimo, em algumas situações. O valor passa a ser de 50% do benefício recebido pelo segurado falecido, acrescido de 10 pontos porcentuais por dependente, que inclui ela também, até o limite máximo de 100%.

ANDES-SN: E para as mulheres do campo?

Denise Gentil: Essa pensão é muito importante para as mulheres rurais. Pois no campo, normalmente, quem contribui para a Previdência é o homem. A trabalhadora rural não precisa contribuir para ter acesso à aposentadoria, que era igual ao salário mínimo. Agora, com a nova regra, o trabalhador e trabalhadora do campo terão que contribuir. Como não será possível dois, da mesma família, contribuírem, por conta da renda familiar baixa, será priorizada a contribuição do marido. É muito punitivo para as mulheres.

ANDES-SN: Como a mulher do campo será afetada no seu dia a dia?

Denise Gentil: Se o marido falecer, a mulher não conseguirá viver da pensão, porque ela será inferior ao salário mínimo, podendo ser 60% do salário mínimo. Pelas novas regras, para a mulher receber 100% da pensão, ela precisa ter quatro filhos, para ela ganhar o que ganhava nas regras de hoje. E como as mulheres têm uma expectativa de vida maior que a dos homens, elas irão receber uma pensão inferior ao salário mínimo. A renda familiar cairá demais. Quem sofrerá com isso também? As crianças e os jovens, pois a renda do lar caindo, elas terão menos acesso a alimentação, saúde, vestimentas…

O êxodo rural será grande, teremos uma reversão. A taxa de jovens que permaneciam no campo tinha subido para 85%, com a reforma haverá uma reversão, porque as condições de vida no campo ficarão insustentáveis e isso desarticulará a agricultura familiar, que fornece alimentos para o país inteiro, o que poderá levar a subida no preço dos alimentos.

O governo brasileiro não fez nenhum estudo das consequências dessa medida. A única visão que ele tem é uma visão de gastos. Não há nenhum estudo sobre os impactos socioeconômico, na vida das mulheres, dos jovens e crianças. Você está precarizando uma renda familiar, vai atingir a infância e a juventude.

Então, não podemos analisar a expectativa de vida das mulheres, mas sim as condições do mercado de trabalho, ainda mais quando esse mercado está em crise. Quanto maior a taxa de desemprego, maior é para as mulheres, quando maior a crise, maior a distancia salarial entre homens e mulheres e quanto maior o nível de escolaridade das mulheres é maior a distancia entre o salário delas e dos homens, nas mesmas condições, isso é um absurdo.

Isso é uma luta de poder, os homens se sentem ameaçados, elas são juízas, médicas, campos ditos masculinos, e há uma reação viabilizada pelo estado, porque a expectativa da mulher é mais elevada.

A maioria das mulheres se aposenta por idade, 64,5% das aposentadorias concedidas por idade é para as mulheres, o restante para os homens. 83% das aposentadorias concedidas por idade as mulheres, é de apenas um salário mínimo. E o que esse dado revela é que as mulheres não conseguem contribuir por muito tempo, porque se não fosse assim, elas se aposentariam por tempo de contribuição. Já as aposentadorias por tempo de contribuição são concedidas, principalmente, aos homens. O homem tem uma estabilidade no mercado de trabalho que a mulher não tem.

ANDES-SN: Como você analisa o argumento defendido pelo governo, para aprovar contrarreforma, de que a expectativa de vida das mulheres aumentou e que nos outros países homens e mulheres se aposentam com a mesma idade?

Denise Gentil: Essa reforma é feita pelos engravatados que trabalham no ar-condicionado, que não entendem nada do país, não entendem nada da pobreza e ficam usando as estatísticas demográficas.

O argumento do governo é que no resto do mundo, homens e mulheres estão se aposentando com 65 anos de idade. Mas isso é uma meia verdade, para não dizer que é uma mentira completa. Em vários países da OCDE, as mulheres com filhos, podem diminuir a idade para se aposentar com relação ao número de filhos que têm, ou se provarem que cuidaram de idosos ou de crianças na família. Elas também recebem uma bonificação, e as que ficaram muito tempo desempregadas também recebem, porque lá se olha para o mercado de trabalho, lá se sabe que as mulheres ficam muito tempo desempregadas e o estado passa a contribuir com ela. Estamos retrocedendo e, nós, mulheres seremos punidas, porque vivemos mais.

Com imagem de Auditoria Cidadã da Dívida

Fonte: ANDES-SN


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