Precisamos conversar sobre as eleições para reitoria da UFPR

9 de junho de 2020
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Neste ano, a comunidade universitária da UFPR precisará escolher a nova gestão que estará à frente da administração da instituição. Mas temos duas situações singulares que, por si só, já representam dificuldades:

  • O isolamento social, causado pela pandemia do Coronavírus.
  • Um governo de viés autoritário, que não respeita princípios democráticos e que trata as universidades públicas como inimigas ideológicas.

Esse cenário nos coloca o desafio do debate sobre a construção de um processo amplo, participativo e inclusivo. Por outro lado, nos chama à responsabilidade, diante das ameaças reais que se aproximam (e os acontecimentos a partir do ano passado nos dão provas concretas disso).

Ao mesmo tempo, é um assunto que deve ser tratado de forma bastante equilibrada, sem paixões ou casuísmos e sem fantasias.

 

Um pouco de história para refrescar a memória

Ainda durante a ditadura militar, em 1981, a APUFPR encampou a luta pela democratização da UFPR, dando peso à discussão sobre a escolha do novo reitor (a pauta existia desde 1979). Juntos, os três segmentos (docentes, técnicos e estudantes) organizam pela primeira vez um processo de consulta à comunidade. Até aquele momento, os reitores eram indicados por um Colégio Eleitoral, e quem dava a última palavra era o governo de plantão, inclusive rejeitando os nomes propostos, se não estivessem alinhados ao regime.

O professor José Lamartine da Lyra Neto foi o mais votado pela comunidade, seguido do professor Átila Rocha. O Conselho Universitário enviou a lista tríplice para o Ministério da Educação. Desrespeitando a escolha da comunidade da UFPR, o ministro empossa o professor Alcy Joaquim Ramalho. Foi o último reitor nomeado sem consulta.

Em 1985, a APUFPR retoma o debate sobre a escolha democrática para a Reitoria e a comunidade volta a se mobilizar, com uma crescente pressão para que o Conselho Universitário respeite a decisão coletiva e envie ao governo o nome dos mais votados. As entidades que representam os três segmentos organizam novamente o pleito, e o professor Riad Salamuni é eleito pela comunidade. Dessa vez, a decisão é respeitada e Riad Salamuni é considerado o primeiro reitor democraticamente escolhido na UFPR.

A partir dali, instala-se uma tradição democrática de respeito às escolhas da comunidade universitária, que foi sendo cumprida em praticamente todo o país (salvo raras exceções) pelos diferentes governos que se seguiram.

Foram muitos anos de luta, em meio à dura repressão do regime militar, para que a voz da comunidade pudesse ser ouvida. E mais de três décadas de respeito às escolhas democráticas das comunidades universitárias de todo o país.

Para quem quiser conhecer essa história de luta, coragem e conquista, basta acessar esse link aqui: www.apufpr.org.br/historico

 

O que mudou em 2019 e 2020?

A pandemia do Coronavírus, neste ano, nos lançou um desafio inédito: nos adaptarmos à forçada e profunda alteração do nosso cotidiano, enquanto mantemos o imperativo isolamento social. Estamos mudando nossos hábitos de consumo, de diálogo, de convívio e de relacionamento.

Soma-se a este quadro, um componente que modifica todo o andamento “natural” das coisas: um governo em uma escalada autoritária, que a cada semana sobe o tom sobre suas intenções de avançar antidemocraticamente sobre as instituições, e que já demonstrou que as universidades públicas brasileiras são um de seus principais campos de enfrentamento. O ataque vem por todas as frentes: corte de verbas, corte de bolsas, corte de programas em ciência e tecnologia, desprezo aos cursos da área de Humanas, corte de benefícios (por exemplo, os adicionais por insalubridade), o recente bloqueio dos concursos, dos reajustes e da progressão. Sem mencionar a questão das aposentadorias.

Em condições “normais” do país, seria natural que o candidato mais votado pelas comunidades universitárias fosse empossado pelo governo, como feito há mais de três décadas. Mas não é o que vem acontecendo desde o começo do ano passado. Em 2019, o governo Bolsonaro contrariou as listas tríplices para reitor em 43% das nomeações. Em 18 instituições que passaram por eleição (consulta), foram nomeados pelo governo 7 reitores que não foram os mais votados por suas comunidades.

Em dezembro, o presidente publicou a Medida Provisória 914, modificando a forma de indicação dos reitores das instituições federais de ensino. A MP determinava que a lista tríplice fosse composta por todos os candidatos que participaram do processo. Antes da MP, tradicionalmente os candidatos menos votados não tinham seus nomes incluídos nas listas tríplices, para evitar o oportunismo de grupos derrotados. Essa MP, ao menos, caducou no dia 2 de junho.

Durante a vigência da MP 914, o governo foi além do que a própria determinava e nomeou como Reitores para o Instituto Federal do Rio Grande do Norte e para o IF de Santa Catarina pessoas que nem participaram dos processos eleitorais. Na Universidade Federal do Ceará (UFC) o Reitor nomeado teve apenas 4,6% dos votos.

 

Há ameaça real de nomeação de um interventor?

Em reunião com lideranças religiosas, enquanto se referia aos reitores, o presidente deixou claro como está agindo: “Logicamente pode ter um voto só, mas nós estamos optando por essa pessoa”.

Não só a fala do presidente, mas as nomeações realizadas até agora, nos mostram que as ameaças não são apenas retóricas, mas factuais. O governo estabeleceu um método de escolha dos gestores das instituições federais.

Seria imprudência acreditarmos que esta ameaça está afastada da UFPR. Basta lembrar da imagem da faixa em defesa de educação sendo arrancada da fachada do prédio histórico da Praça Santos Andrade, tornada símbolo da intolerância contra as universidades públicas, assim como a imagem da nova faixa sendo colocada no mesmo local, em meio à uma chuva torrencial e em frente de milhares de pessoas (com seus guarda-chuvas) se tornou um símbolo da resistência.

Para o governo, basta um candidato ter apenas um voto, mas ser alinhado politicamente ou ideologicamente, para ser nomeado. E aqueles que aceitaram assumir os cargos Brasil afora nesse tipo de situação, já provaram que há pessoas dispostas a tudo para dirigir uma universidade, mesmo deixando de lado sua própria dignidade.

 

E as eleições?

Além de corrermos o risco de o governo não empossar um reitor escolhido pela nossa comunidade, há um segundo risco: a nomeação de um interventor pro tempore por vacância do cargo, caso haja o fim do mandato atual da reitoria sem a indicação de um nome, eleito pela comunidade, para substituí-lo.

Mas como isso ocorreria? É preciso enviar para o governo a lista tríplice com pelo menos 60 dias antes do encerramento de mandato, que se dará no dia 15 de dezembro, impreterivelmente. A Advocacia Geral da União (AGU), ao responder consulta da SESU a esse respeito, emitiu o Parecer 580/2020 (em 5 de maio deste ano) e conclui textualmente (ver página 9) que caso não tenha havido indicação de nomes até o fim da gestão do atual reitor a solução “é a designação de dirigente pro tempore”.  Além disso, o próprio MEC em seu Ofício 160/2020/CGRH/DIFES/SESU, ao responder questionamento da UTFPR, aponta para essa mesma solução.

No atual quadro de ataques provindos de governo sem nenhum compromisso com a Educação de qualidade não temos o direito de ter dúvidas de que, em caso de vacância do cargo por ter excedido o prazo do mandato, um reitor-interventor, com a roupagem de um dirigente pro tempore, será nomeado imediatamente. Do contrário é esperar benevolência de quem, desde seu primeiro dia de mandato, vem nos desrespeitando institucional, profissional e até pessoalmente a qualquer momento que lhe apraza.

Por outro lado, como o atual governo já deixou claro, o processo hoje está ainda mais lento, porque o governo tem feito averiguações não só sobre a “retidão” da conduta dos candidatos, mas principalmente sobre os posicionamentos “ideológicos”, as nomeações estão levando mais tempo e, portanto, o prazo de indicação precisa ser respeitado sine qua non.

É preciso pensar este momento com extrema responsabilidade. Os riscos são reais, e se houver brecha, a UFPR poderá ser obrigada a conviver com uma gestão que não foi escolhida pela sua própria comunidade por vários meses, na melhor das hipóteses. Um caso como esse não acontece em nossa instituição desde 1986. Uma gestão sem legitimidade poderia encontrar artifícios para retardar a indicação e posse do reitor eleito em uma escolha deliberada e equivocadamente atrasada.

É uma ideia que por si só já seria péssima, do ponto de vista institucional, simbólico, e das ameaças que isso representa para o futuro da educação e da ciência, visto que abriríamos uma ferida no nosso tecido democrático interno, construído a duas penas por mais de trinta anos. Mas há ainda outros fatores muito preocupantes:

Future-se: o presidente da República decidiu agilizar a tramitação da proposta do projeto Future-se. Embora ele tenha sido rejeitado amplamente pela comunidade acadêmica brasileira, não foi descartado pelo governo. Ao contrário, é uma de suas prioridades para a Educação e, desta forma, foi reapresentado dentro do PL 3076/2020. Um reitor interventor iria, sem dúvida, tentar viabilizar a implantação deste projeto, o que significaria a descaracterização completa da UFPR como a conhecemos e construímos.

Fim da estabilidade: a Reforma Administrativa, proposta pelo governo, prevê o fim da estabilidade dos servidores. Uma reitoria ideologicamente alinhada ao projeto de destruição dos serviços públicos poderia facilmente usar as prerrogativas para constranger injustamente servidores críticos ao governo. Uma reitoria de vezo autoritário usaria de expedientes não democráticos para pressionar servidores não alinhados.

 

Qual o caminho?

É por isso que este momento de exceção necessita de muita serenidade, estudo, compreensão da conjuntura e, acima de tudo, muita responsabilidade.

O inimigo está aí exposto com suas formas antidemocráticas de ação. Tapar o sol com a peneira não vai nos afastar do perigo. O próprio ANDES-SN tem essa mesma leitura, expressa em reunião de dirigentes (de forma remota) há cerca de uma semana. E nós, como Seção Sindical, não poderíamos deixar de orientar nossos representados sobre esse quadro geral que está posto para muitas IFEs.

Desta forma, precisamos analisar outras realidades, ver as experiências de outras instituições, compararmos situações com critérios racionais, sem deixar que o debate resvale para um jogo de oportunidades que pode prejudicar nossa instituição. Não podemos misturar elementos diferentes como se fossem iguais que, por um viés reducionista, nos confundiria em um momento que exige clareza.

Uma coisa é certa e dessa não dá para fugir: até o momento não há absolutamente nada no horizonte que nos indique o fim da pandemia e o retorno, com completa segurança, à normalidade. Sem cura e sem vacina, não teremos a certeza de que poderemos retornar à rotina como vivíamos antes. Isso precisa estar no nosso horizonte.

Precisamos analisar situações exitosas. Verificar o que outras instituições fizeram no passado para votações majoritárias ou de unidades (como USP, UNIFESP, UNESP, UNIFESSPA, UFSCAR, UFPEL, UNICAMP, diversos Institutos Federais e outras instituições), e quais foram os resultados em termos de participação e confiabilidade.

Também precisamos estudar e verificar como está sendo conduzido o processo em instituições que estão com eleições marcadas ou em vias de realização, como a UTFPR, a UFMS, a UFRGS, a UNB, a UNFRN e a UFPA. Essas universidades, com um passado de lutas democráticas semelhantes à nossa, realizarão seus processos eleitorais por meios eletrônicos e remotos, mesmo em meio à pandemia.

E, precisamos, com bastante firmeza, garantir que as entidades representativas dos três segmentos tenham a legitimidade necessária para conduzir todo esse processo. A responsabilidade é grande, e há muito em jogo.

Muitas pessoas foram perseguidas e outras tantas lutaram para que a nossa instituição se tornasse um baluarte da democracia e da liberdade de pensamento crítico. Esse é o nosso papel, não se pode abrir mão disso, nem um dia sequer! O reitor que será nomeado em 15/12/2020 necessariamente deverá ser um reitor eleito pela comunidade dentre os candidatos que se apresentem preparados para os grandes e complexos desafios que, sem dúvida, virão pela frente!

Fonte: APUFPR


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