Parada ‘da Disney’ e universidade “para poucos” no mesmo dia em que voto impresso e LSN foram derrotados

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As Olimpíadas de Tóquio acabaram, mas parece haver uma competição paralela dentro do governo de Jair Bolsonaro para decidir quem vai passar mais vergonha.

A terça-feira (10) foi um tanto atípica até mesmo para um país que vive, há pelo menos 2 anos e 8 meses, em um misto de montanha-russa e trem fantasma. Teve de tudo: o governo fez a Marinha passar vergonha, o voto impresso foi derrotado na Câmara, a Lei de Segurança Nacional foi enterrada no Senado e o ministro da Educação (sim, ele existe), novamente, deu vexame.

 

Até o Pateta faria melhor

Logo cedo, o mundo foi inundado com imagens de um desfile minguado de veículos da Marinha (alguns da década de 1970 e outros que atuaram na Guerra do Vietnã) que foi comparado com uma ‘parada da Disney’, mas cujos efeitos especiais seriam, basicamente, fumaça, muita fumaça (o ex-ministro do meio ambiente, Ricado Salles, deve estar orgulhoso).

Aquilo que o presidente da República esperava que fosse uma “demonstração de força” na Esplanada dos Ministérios e uma ameaça ao Congresso no dia em que seria votado o malfadado projeto de voto impresso (parte da retórica do golpe que se avizinha), se tornou um de seus maiores vexames. O jornal inglês The Guardian chegou a chamá-lo de “parada militar da ‘República das Bananas’ de Bolsonaro.

Parada ‘da Disney’ e universidade “para poucos” no mesmo dia em que voto impresso e LSN foram derrotados

Na internet, um levantamento mostrou que 93% das mensagens eram de galhofa sobre o desfile. Nem a máquina de fake news do governo conseguiu balancear a disputa. Sobrou a mancha na imagem da Marinha brasileira. Se não fosse seu uso político, poderia ter sido poupada de tamanha vergonha (já que todo ano realiza manobras no Centro de Instrução de Formosa, em Goiás, e ninguém dá bola).

No final do dia, Bolsonaro ainda foi derrotado mais duas vezes:

Primeiro, a PEC do voto impresso foi engavetada com 229 deputados federais favoráveis (dos setores mais extremistas e do centrão que rezam fielmente a cartilha do governo, e de mais alguns oportunistas) e 218 contrários (com a presença massiva da oposição, hoje em torno de 170, e mais alguns de setores da ‘direita democrática’). Por ser uma PEC, o governo precisava do voto de 2/3 dos deputados (308).

Na outra casa, o Senado aprovou uma lei que enterra o entulho autoritário conhecido como Lei de Segurança Nacional, que estava sendo usada pelo governo Bolsonaro para perseguir dezenas de opositores, críticos (como o youtuber Felipe Neto e um professor que contratou um outdoor que dizia que o presidente “não vale um pequi roído”) e professores universitários, como Erika Suruagy, que era dirigente da ADUFPE.

 

Universidade “para poucos” (mas só para ‘filhinhos de papai’)

Talvez para desviar um pouco o foco da parada militar que estava sendo mundialmente ridicularizada, ou mesmo para não perder a oportunidade de emplacar novo vexame, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, mostrou novamente que só aparece quando o objetivo é passar vergonha.

Em uma entrevista à aparelhada TV Brasil, ele cometeu mais um ato de ‘sincericídio’ e mostrou que gasta seu tempo (e o dinheiro dos contribuintes) para trabalhar contra as universidades públicas.

Nas palavras de Ribeiro, “universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”. Apontou que as “vedetes” da educação pública deveriam ser os institutos federais, de ensino técnico. Na cabeça do ministro, a função de uma instituição pública de ensino é despejar “mão de obra” para suprir as necessidades do mercado e, de quebra, ainda proporcionar um excedente de força de trabalho que ajuda a achatar a massa salarial.

Muitas vezes, é difícil entender se o ministro está tentando parecer sério ou se está repetindo memes de internet disseminados em grupos de extremistas.

Ele desdenhou dos alunos que ingressam por cotas e, mostrando todo seu não-conhecimento sobre tributação (para ele, só ricos pagam impostos), afirmou que é justo que 50% das vagas sejam destinadas a ‘filhinhos de papai’ porque “são de alunos preparados, que não trabalham durante o dia e podem fazer cursinho. Considero justo, porque são os pais dos ‘filhinhos de papai’ que pagam impostos e sustentam a universidade pública. Não podem ser penalizados”.

Na visão dele, os filhos das elites não podem ficar de fora das universidades públicas e deveriam ter vagas cativas.

Ele ignora os estudos (talvez nem saiba que existam) que mostram que não há diferença de rendimento acadêmico entre alunos cotistas (aqueles que ele não considera ‘preparados’) e não cotistas, e que as mudanças na legislação foram responsáveis por elevar de 15%, em 1999, para 46%, em 2019, a quantidade de estudantes universitários pretos, pardos ou indígenas.

Por trás de tudo isso está o objetivo de enfraquecer a ciência e as bases do livre pensamento e da produção do conhecimento voltado à solução dos problemas da sociedade (e não aos interesses dos grupos econômicos e dos setores das ‘elites’ –  os ‘papais’ a que o ministro se refere), que é um dos motivos da existência das universidades públicas.

Áreas sociais não precisam de vedetes. Quem precisa disso são programas de auditório. A educação precisa de investimentos sérios em todos os níveis, garantindo boas condições de ensino, trabalho, infraestrutura e acesso universal.

Em 2004 foi lançado o “Programa Universidade Para Todos”. Agora, o ministro quer lançar o “Universidade Para Poucos”.

 

Coleção de devaneios

Na mesma entrevista, Milton Ribeiro também defendeu políticas irresponsáveis de volta às aulas sem planejamento e a indicação de “reitores interventores” nas universidades federais.

Direcionando sua fala nos segmentos mais radicais de apoiadores do governo, o ministro escancara aquilo que já era nítido: as decisões do governo são meramente políticas (escamoteadas por um verniz falsamente ideológico). Por isso, ele diz que os reitores “não podem ser esquerdistas” ou “lulistas”, o que justificaria as indicações de pessoas alheias à comunidade acadêmica, como tem feito Bolsonaro.

Na verdade, o governo considera ‘esquerdista’ qualquer pessoa que não seja alinhada a suas ideias extremistas, e isso inclui até a direita democrática (por isso, chamam o neoliberal FHC de comunista), os liberais autênticos etc. Se for neonazista, tudo bem, só não poderia ser “de esquerda”.

Bom, se o Congresso tivesse aprovado o voto impresso, talvez o ministro exigisse dos candidatos às reitorias o comprovante para ver em quem votaram.

Em relação às exigências dos profissionais da educação que defendem que as atividades presenciais (já que as aulas nunca pararam no Brasil, foram transferidas para o modelo remoto) só devem ser retomadas quando a imunização populacional estiver completa, o ministro os chamou de “maus professores” e que “querem vacinação de todo jeito”.

Para ele, exigir o direito à vida é quase um crime.

Essa retórica esconde a falta de vontade do governo com a preservação da saúde dos profissionais da educação. Entre janeiro e abril de 2021 o número de trabalhadores da educação mortos aumentou 128% em relação ao mesmo período do ano anterior, e mesmo assim, até o final de junho o governo não havia usado um centavo sequer dos mais de R$ 1,2 bilhão disponíveis para estruturar as escolas para a volta às atividades presenciais.

Assim como faz seu chefe, Ribeiro inventa culpados para disfarçar sua incapacidade e inação propositada.

Em um dia agitado, o governo foi derrotado várias vezes. Se fosse no futebol, poderia pedir música naquele programa dominical. Melhor não. É bem provável que escolhesse a marcha fúnebre…

 

Fonte: APUFPR

 


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