Medidas de Temer acentuam concentração de riqueza

Na esteira de um relatório apresentado no Fórum Econômico de Davos sobre o alarmante crescimento da concentração de riqueza no mundo, a Oxfam divulgou, na última segunda (17), os números relacionados ao Brasil. 

Segundo a ONG britânica de assistência social e combate à pobreza, a soma da riqueza de apenas seis bilionários do país chega a US$ 78 bilhões e equivale à riqueza de metade da população brasileira mais pobre – mais de 100 milhões de brasileiros.

Os números do Brasil não destoam do quadro global, no qual oito milionários têm a mesma riqueza que as 3,6 bilhões de pessoas mais pobres do mundo. As causas do crescimento de tamanha disparidade entre topo e base da pirâmide social também são parecidas aqui e no restante do planeta. O crescimento só tem beneficiado àqueles que mais têm e, quando vêm as crises, os mais pobres é que dão sua cota de sacrifício.

 Vale ressaltar que, na lista dos mais ricos, tanto entre os seis bilionários brasileiros quanto no ranking dos oito mais abastados do mundo, todos são homens e brancos, fazendo saltar aos olhos o viés de desigualdade de gênero e raça na concentração de renda. 

Quem paga o pato do ajuste?

De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam, a desigualdade é resultado da atuação de governos e empresas. Em abaixo-assinado publicado em seu site, a ONG destaca que medidas anunciadas pela gestão Michel Temer não contribuem para enfrentar a concentração de riqueza – ao contrário, aprofundam o problema.

“O governo Temer conduz um ajuste fiscal que prioriza medidas que congelam os investimentos em educação e saúde, que cortam benefícios sociais e que mudam o sistema das aposentadorias. Em todas essas propostas, quem paga a conta não são os super-ricos nem as grandes corporações. Somos nós. E isso não é justo”, diz a petição.

Segundo o texto, o governo precisa atuar para garantir direitos e oferecer chances justas a todos. “A saída para a crise deve começar pela diminuição dos privilégios dos super-ricos, e não com cortes no orçamento de serviços e políticas essenciais para a maior parte da população. Nós precisamos que o governo e a economia trabalhem para os 99%, e não apenas para o 1% do topo”, completa.

Arrocho no salário do trabalhador

O relatório apresentado pela Oxfam em Davos cita que, no Brasil, os salários reais dos 10% mais pobres da população aumentaram mais que os pagos aos 10% mais ricos entre 2001 e 2012, graças à adoção de políticas progressistas de reajustes do salário mínimo.

É justamente esta política que está em risco no governo do presidente Michel Temer. No final do ano passado, o peemedebista assinou decreto no qual fixou em R$ 937,00 o valor do salário mínimo, um reajuste 6,48%, que foi inferior à inflação. O governo rompeu, assim, o ciclo de ganhos reais do salário mínimo iniciado pelo governo Lula. 

A especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, destaca que, entre as causas do aumento da desigualdade no mundo, estão a redução e o congelamento da renda dos trabalhadores. “Mudanças na estrutura do mercado de trabalho e a consequente perda de poder de barganha dos trabalhadores em negociações coletivas pioram ainda mais a situação”, escreve a Oxfam.

É algo que está posto na agenda do atual governo, que atenta contra os direitos trabalhistas. “A gente vive agora uma proposta de reforma trabalhista, com uma proposta de fazer com que os acordos se sobreponham ao que está na legislação e aí até mesmo os salários podem ser acordados. Se globalmente já se percebe que a redução de salários é um mecanismo de concentração de renda e riqueza, a gente, no Brasil, vai legalizar isso, com a reforma trabalhista”, alerta a pesquisadora.

Segundo ela, há sério risco de retrocesso, devido a diversas medidas anunciadas que têm impacto sobre a renda das famílias. Grazielle cita, por exemplo, o corte no programa Bolsa Família, importante mecanismo de redução da desigualdade e responsável por retirar o país do Mapa da Fome. Em todo o país, foram cancelados 469 mil benefícios; outros 654 mil, bloqueados. 

“A gente corre risco de retroceder. Em 2016 já ocorreu corte no Bolsa Família e, em 2017, a expectativa é de um corte ainda mais significativo. O resultado possivelmente é piora de alguns indicadores que mostravam que a gente estava reduzindo a vulnerabilidade desses grupos”, diz.

Transferência de renda para os mais ricos

De acordo com ela, várias das medidas que estão sendo tomadas pela atual gestão apontam para uma piora na desigualdade de riqueza e renda. Um exemplo é a Emenda Constitucional que limita o crescimento dos gastos primários à variação da inflação do ano anterior, com o objetivo de fazer superávit primário, ou seja, economizar recursos para o pagamento de juros da dívida. Segundo diversos especialistas, áreas como saúde e educação deverão perder recursos. 

“Se a gente pega a Emenda Constitucional 95, ela também é um mecanismo de concentração de riqueza, porque ela diminui os gastos primários – que são os que promovem um mínimo de garantia de direitos, de serviços públicos – e canaliza esse dinheiro para o pagamento de juros da dívida. Quem são os detentores de títulos da dívida? São os mais ricos”, afirma.

Segundo ela, trata-se, portanto, de um mecanismo importante de transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos. “Porque, se vai pegar o dinheiro do fundo público, está pegando o dinheiro de quem pagou imposto. E quem paga, proporcionalmente, mais imposto no país são os mais pobres e a classe média. E, se é para pagar juros de dívida, então estou pegando dinheiro dos mais pobres e dando para os mais ricos. Ou seja, só essa emenda já é concentradora de renda”, defende. 

A reforma da Previdência vai no mesmo caminho, à medida que torna mais duras as regras para a aposentadoria, ampliando o tempo de contribuição e a idade mínima para a aposentadoria e reduzindo os valores dos benefícios. 

“Você está falando para todos os trabalhadores, os trabalhadores rurais, das regiões Norte, Nordeste do país, que só podem se aposentar com 65 anos. Muitos deles, no máximo, vão viver até os 65 anos. Então muitos nunca vão ter direito à Previdência. Muitos estarão contribuindo com uma promessa que nunca vão ver cumprida”, critica.

Segundo a assessora do Inesc, a reforma é mais um mecanismo de concentração. “Ao deixar de pagar a Previdência ao trabalhador para garantir superávit primário para pagamento de juros da dívida, estou mandando esse dinheiro para quem? Todo o suor de um trabalhador que nunca vai chegar para ele em forma de Previdência está indo para grandes acionistas e detentores de títulos da dívida do país”. 

Injustiça tributária

Outro problema, este antigo, que o país se recusa a enfrentar, é a injustiça tributária de um sistema que faz com que os mais pobres paguem, proporcionalmente, mais impostos, poupando, muitas vezes, ricos e super-ricos. 

A própria Oxfam destaca em seu relatório que a forma como os sistemas tributários são organizados também influenciam na concentração de renda e riqueza. De acordo com o documento, três quartos da extrema pobreza poderiam ser efetivamente eliminados imediatamente usando recursos já disponíveis, aumentando a tributação e reduzindo gastos militares e outros gastos regressivos.

A ONG chama a atenção para o fato de que os ricos e super-ricos têm conseguido fazer valer seus interesses, e as alíquotas fiscais aplicadas à riqueza e às rendas mais altas continuam a cair em todo o mundo rico. “Nos países em desenvolvimento, a tributação aplicada aos ricos é ainda mais baixa: pesquisas realizadas pela Oxfam revelam que a alíquota máxima média é de 30% sobre a renda e que, na maioria dos casos, ela nunca é efetivamente aplicada”, diz o informe.

No Brasil, grande parte da estrutura tributária do país está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade. Isso significa que, proporcionalmente, os mais pobres pagam mais impostos, já que possuem renda inferior, mas pagam o mesmo preço que os ricos por produtos e serviços. Além do mais, toda a sua renda é utilizada no consumo, enquanto uma parte importante da renda dos mais ricos acaba convertendo-se em riqueza e patrimônio, cuja tributação é menor. 

“Nosso sistema tributário está organizado de forma extremamente prejudicial, no qual mais da metade dos tributos arrecadados são sobre o consumo. Isso amplia as desigualdades”, reitera Grazielle. 

Mesmo o Imposto de Renda, mais direto, só é progressivo até um determinado ponto. “Atinge apenas os trabalhadores assalariados. Chama a atenção que quem ganha mais, que recebe não salários, mas lucros e dividendos, não esteja pagando imposto de renda no país, por causa de uma lei de 1995, que diz que os lucros e dividendos não serão taxados no IR. Por essa única medida, até mesmo um imposto que poderia ser mais distributivo, ajudando a evitar essa imensa desigualdade, não consegue ser”, afirma.

De acordo com Grazielle, o Brasil tem ainda um dos mais baixos impostos sobre patrimônio. Hoje, no Brasil, a arrecadação com impostos sobre patrimônio está na faixa de 3%. A média mundial, segundo a pesquisadora, é cerca de 11%, 12%. “Outro mecanismo que foi proposto na Constituição, que era o imposto sobre grandes fortunas, para garantir um pouco mais de mobilidade social, ele precisa ser regulamentado e isso nunca foi iniciado”, completou, defendendo a necessidade de uma reforma tributária que torne o sistema mais justo. 

Por outro viés, é possível fazer um paralelo entre o perfil dos mais ricos – homens brancos – com um estudo do Inesc, que comprova que o sistema tributário brasileiro é injusto não só pela perspectiva de classe, mas também quando se analisa o recorte de gênero e raça: mulheres negras pagam, proporcionalmente, mais impostos que homens brancos.

Bolsa empresário

De acordo com a Oxfam, as empresas estão “cada vez mais trabalhando para os ricos e, nesse processo, os benefícios do crescimento econômico são negados aos que mais precisam deles. Nos seus esforços para oferecer retornos elevados aos mais ricos, as empresas pressionam ainda mais seus trabalhadores e fornecedores a acompanhá-las nesse objetivo – e a evitar impostos que beneficiariam a todos, particularmente aos mais afetados pela pobreza”.

A afirmação integra uma análise global, mas se aplica bem ao Brasil. Por aqui, não só empresários têm feito pressão por menos impostos, como recebem benesses distribuídas pelo governo – são os subsídios financeiros e desonerações tributárias para o setor produtivo, apelidados de “Bolsa Empresário”. 

O orçamento para 2017 encaminhado por Temer ao Congresso, no ano passado,previa que programas de apoio à indústria deveriam custar cerca de R$ 224 bilhões, ou 3,4% do PIB do país. Era mais de sete vezes o valor destinado ao Bolsa Família, que era de R$ 29,7 bilhões. Grazielle chama a tenção, contudo, para o fato de que não há controle sobre o retorno desse gasto tributário para o país.

“É um gasto social que deveria estar chegando nos fundos públicos e não chega, com a promessa de uma garantia social. São as grandes corporações, que, com a promessa de gerar emprego, recebem um volume grande de desoneração, mas não existe nenhum tipo de controle. Então, veja que dramático: eles deixam de colaborar com o fundo público, que serviria para financiar direitos e acumulam cada vez mais riqueza, sem ter que garantir que aquilo vai ter um retorno social. Com certeza os gastos tributários são também um mecanismo de concentração de riqueza”, classifica.

Compromissos

Na petição publicada em seu site, a Oxfam apela ao presidente da República para que intensifique a fiscalização contra a sonegação de impostos e contra o uso de paraísos fiscais; promova uma reforma que torne o sistema fiscal mais justo, onde os super-ricos paguem mais impostos sobre sua riqueza e renda; garanta o orçamento necessário para saúde e educação públicas e de qualidade para toda a população; e promova políticas para acabar com a diferença de salários entre homens e mulheres.

 

Fonte: Vermelho


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