MEC diz que se expressar em universidades é 'imoralidade administrativa' e deve haver punição

4 de março de 2021
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A censura é o início do fim da democracia. Essa é uma verdade inquestionável, comprovada muitas vezes na história da humanidade. Os regimes totalitários e as ditaduras sempre usaram a censura como forma de repressão e de controle, e para impedir o debate público no campo das ideias.

Ao lançar a Constituição Federal de 1988, o Brasil pensava ter afastado esse fantasma que nos assombrou durante toda a Ditadura Militar – mas o governo atual quer voltar àquele trágico passado. No dia 7 de fevereiro, o Ministério da Educação (MEC) encaminhou um ofício pedindo aos dirigentes das universidades e institutos federais providências para “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino”.

Uma passagem diz que “a promoção de eventos, protestos, manifestações etc de natureza político-partidária, contrários ou favoráveis ao governo, caracteriza imoralidade administrativa”.

Além de evocar a “moralidade” para agradar sua base de apoio, o documento é hipócrita porque o MEC sabe que nem nas ruas há manifestações favoráveis ao presidente. O governo mira mesmo nas universidades porque elas são espaços de construção democrática do conhecimento, da liberdade de expressão e de pensamento. É isso que incomoda ao governo.

 

Que tipos de atividades seriam enquadradas?

O governo não detalha o que seriam tais atividades, mas a perseguição da Controladoria Geral da União (CGU) a dois docentes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) já indica o que poderá acontecer.

O ex-reitor Pedro Curi Hallal e o pró-reitor de Extensão da universidade, Eraldo dos Santos Pinheiro, foram denunciados por um deputado extremista (Bilbo Nunes, do PSL) após uma live na qual criticaram a condução do governo no enfrentamento à Covid-19. Detalhe: Hallal é coordenador das pesquisas de prevalência do novo Coronavírus no Brasil, ou seja, seus apontamentos têm base científica. Reforçando: base científica.

Com essa atitude, órgãos que agora são usados politicamente para perseguir docentes universitários deslegitimam a ciência e, ao mesmo tempo, elevam o presidente da República à figura de um ser supremo, que não pode ser criticado ou contrariado. Certamente isso não combina com a democracia.

A CGU já havia editado no ano passado norma “técnica” (entre aspas mesmo) para impedir que servidores critiquem os órgãos onde estão lotados. O Brasil caminha para a instalação de um regime cada vez mais fechado. Todos os indícios estão aí.

O documento do MEC utiliza uma recomendação de 2019 do procurador-chefe da República em Goiás, Ailton Benedito de Souza, para afirmar que caberia punição a comentário público ocorrido “no espaço físico onde funcionam os serviços públicos; bem assim, ao se utilizarem páginas eletrônicas oficiais, redes de comunicação e outros meios institucionais para promover atos dessa natureza”.

É importante lembrar que esse mesmo procurador, alinhado ao governo (ou seja, descumprindo com o princípio da impessoalidade), já questionou judicialmente a Sociedade Brasileira de Infectologia porque a entidade desaconselhou o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19 (ou seja, o MEC, o procurador e a CGU adotam o mesmo procedimento contra quem tem opinião contrária ao governo).

 


Institucionalizar a perseguição

O documento do MEC, assinado pelo diretor de Desenvolvimento da Rede de Ifes, Eduardo Gomes Salgado, também recomenda a criação de canais de denúncia sobre atividades político-partidárias nas instituições.

O governo Bolsonaro quer recriar mecanismos que funcionariam como as Assessorias de Segurança e Informação (ASI) do DOI-CODI, que eram instrumentos repressores instalados dentro de cada órgão e instituição durante a ditadura.

Na UFPR, a ASI era responsável por mapear e fichar aqueles que, posteriormente, teriam seus direitos cassados pelo regime, como foi o caso dos professores José Rodrigues Vieira Netto, Amílcar Gigante e Reginis Prochmann.

No contexto atual, a criação de canais de perseguição, como quer o MEC, combinada com a intervenção do presidente da República na nomeação de reitores-interventores alinhados ao governo, vai instalar um clima de terror nas instituições geridas por pessoas não escolhidas pelas comunidades acadêmicas.

 

Inconstitucional

Ao analisar o documento do MEC, a Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN apontou diversas irregularidades e inconstitucionalidades, inclusive interferência de competências.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que é o órgão máximo da magistratura brasileira, já assegurou a livre manifestação de pensamento e das ideias nas universidades ao proferir, em decisão unânime do Plenário, em maio do ano passado, que anulou decisões arbitrárias da Justiça Eleitoral em cinco estados onde impuseram proibição de manifestações políticas em universidades à véspera do segundo turno das eleições de 2018. Medidas sabidamente adotadas para beneficiar a candidatura de Jair Bolsonaro.

 

Ficar calados?

Esse é o estado em que o Brasil se encontra neste momento, onde opiniões científicas são amordaçadas e quaisquer críticas ao presidente e a seu governo são passíveis de punição por órgãos que agora são aparelhados para serem usados como instrumentos políticos de perseguição, censura e repressão.

O governo quer instalar um tipo de autocensura em professores e também desencadear um clima de instabilidade dentro das instituições, inclusive na relação com os estudantes e técnicos, para que membros da própria comunidade universitária (inclusive colegas de categoria) passem a controlar e denunciar o que os docentes falam ou publicam.

“A diretoria da APUFPR não vai tolerar qualquer tipo de censura. Cada docente é plenamente responsável pela sua expressão, que está garantida constitucionalmente. Portanto vamos tomar todas as medidas legais e políticas cabíveis para proteger as liberdades dos docentes da UFPR e responder a essas arbitrariedades”, afirma o presidente da entidade, Paulinho Vieira Neto.

Para a APUFPR, a liberdade de expressão é um direito fundamental dos professores das universidades públicas. “Nós não lutamos para que os docentes falem exclusivamente bem de um ou outro governo. Nós lutamos para que os professores possam exercer o direito de falar. Seja de esquerda, de centro ou de direita, os professores precisam dar sua opinião, independentemente de Estado ou do governo de plantão. Isso se chama liberdade de cátedra”, reforça Opuszka.

“Nós, do sindicato, defendemos o direito dos professores discordarem de nós ou de qualquer governo, de publicarem suas opiniões, sejam elas mais conservadoras, mais progressistas ou de vanguarda. Defendemos o direito de manifestação. Todo país civilizado ou cultura desenvolvida tem como pressuposto a democracia, ou seja, garantia da participação e da opinião da minoria”, reforça o secretário-geral da APUFPR.

“O que a CGU, o TCU, o MEC e o próprio Governo Federal se chamam censura. É uma tentativa inconstitucional de limitação do direto de manifestação. Isso não é compatível com o estágio civilizatório em que o mundo se encontra”, finaliza Paulinho Vieira.

 

 

Fonte: APUFPR


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