Mais brasileiros poupam para a velhice, mas país é 101º em ranking global

Estudo do Banco Mundial mostra que país avançou, mas nível ainda é muito baixo

Ana Estela de Sousa Pinto

SÃO PAULO

Há dois anos, o estudante de publicidade Enzo Terra Silveira, 20, começou a economizar metade do salário que ganha no gerenciamento de marketing de uma franquia de hidromassagem.

Todos os meses, coloca 20% na poupança e 30% em um plano de previdência privada, dinheiro em que não pretende mexer pelos próximos 30 anos.

Silveira é uma exceção: faz parte dos 6% de brasileiros entre 15 e 24 anos de idade que disseram ter guardado dinheiro para a velhice em 2017.

Considerando todas as faixas etárias, o índice no Brasil foi de 11%, o 101º pior entre 144 países, atrás de nações muito mais pobres, como Filipinas (26%), Bolívia (20%) e Mali (16%) e abaixo da média dos países em desenvolvimento (16%).

Os dados foram levantados pelo Banco Mundial, em pesquisa com 150 mil pessoas, 1.000 delas no Brasil. 

A taxa brasileira é o triplo da registrada em 2014 (4%), mas a margem de erro põe em dúvida a evolução. Considerando 3,7 pontos percentuais para mais ou menos, o número de 2014 varia de praticamente 0 a quase 8%, enquanto o de 2017 vai de 7% a quase 15%.

A fatia dos brasileiros que conseguiram guardar algum dinheiro nos 12 meses anteriores à pesquisa, independentemente do objetivo, manteve-se no mesmo patamar. Eram 28% em 2014, agora são 32,5%.

O resultado, porém, melhorou a posição relativa do Brasil entre os países americanos. De último colocado em 2014, passou a 15º entre 19 países, à frente de Haiti, Venezuela, Paraguai e Argentina.

À primeira vista, pode parecer contraditório que o número de poupadores não tenha caído durante a pior recessão da história brasileira. Mas a própria crise pode estar por trás do fenômeno.

“Se o emprego está em risco ou há muita incerteza sobre o futuro, aumenta a chamada poupança precaucionária”, diz o professor do Insper Ricardo Brito.

Especialista em finanças e decisões de poupança, Brito diz que pode ter havido também efeito da discussão recente sobre reforma da Previdência. 

Em trabalho publicado em 2015, ele calcula que no Brasil é muito alta a chamada taxa de reposição da Previdência: a maioria dos aposentados do país passa a ganhar o mesmo ou até mais do que recebia no trabalho.

A perspectiva de regras mais duras e valor menor do benefício poderia levar algumas pessoas a poupar. “O verdadeiro incentivo, porém, só virá se  houver de fato uma reforma que reduza a taxa de reposição da Previdência.”

A economista sênior do Banco Mundial Leora Klapper, coautora do relatório da pesquisa, também ressalva que não há informação sobre o valor poupado, e que a tendência global foi de estagnação. 

“A poupança para a velhice continua perturbadoramente baixa no Brasil, principalmente levando em conta o nível de desenvolvimento econômico e financeiro do país.”

O problema é crítico porque a situação tende a se agravar no futuro, afirma o especialista em previdência José Roberto Affonso, professor do IDP e pesquisador do Ibre/FGV.

“Na era digital, parcela crescente dos que trabalham hoje não terá emprego com carteira assinada e previdência social”, afirma ele.

Affonso cita pesquisa do Banco Central publicada em janeiro deste ano, segundo a qual só 1,9% da população investe em previdência privada.

O economista defende políticas públicas que estimulem a formação de poupança previdenciária: “O governo precisa rever a política tributária e premiar quem poupa hoje para ter renda no futuro, como no resto do mundo”.

Aos 17 anos, o estudante de engenharia elétrica Ricardo Chapiro Lasmar Lira está longe da idade de aposentadoria, mas já se preocupa com o risco de ela não ser suficiente.

Sua primeira caderneta de poupança foi aberta pelos pais, mas ele tomou para si a iniciativa de engordá-la com presentes e sobras de mesada. Hoje, reserva parte do que ganha com aulas particulares e já faz planos de poupar a remuneração do estágio.

“Sei que a expectativa de vida está subindo; vou viver por mais anos. Tento manter minhas economias como uma reserva para imprevistos.”

O despreparo para emergências é outro dado preocupante da pesquisa do Banco Mundial. 

O órgão perguntou às pessoas se achavam possível levantar, para fazer frente a um imprevisto, quantia equivalente a um vigésimo do PIB per capita —no Brasil, o valor corresponde a R$ 1.400.

Mais da metade da população brasileira considerou impossível obter o dinheiro. É o 107º resultado no mundo.

LEMBRETES PELO SMS AJUDAM PESSOAS A ECONOMIZAR

Por que algumas pessoas e alguns povos poupam mais que outros tem sido tema pesquisado por economistas de várias áreas.

Embora pareça uma explicação óbvia, não é o nível de pobreza que determina a capacidade de poupança.

Países em que a riqueza per capita é muito menor que a do Brasil têm porcentagem de poupadores muito maiores.

Um dos fatores que ajudam a explicar as diferenças é o imediatismo, ou seja, a dificuldade de fazer um sacrifício no presente para obter uma recompensa que virá apenas no futuro.

É o mesmo mecanismo que dificulta decisões como fazer dieta (resistir ao doce hoje para estar mais magro só daqui a um mês) ou parar de fumar.

Trabalho do professor do Insper Ricardo Brito feito a partir de pesquisa Datafolha, no ano passado, mostrou que o grau de imediatismo do brasileiro é muito mais alto que o da média dos países latino-americanos.

Outro fator correlacionado à poupança é a educação financeira, área em que o Brasil também patina.
Estudantes brasileiros de 15 anos tiveram o pior desempenho em prova de conhecimentos financeiros no Pisa (exame global que mede a capacidade de raciocínio).

Mais da metade dos alunos ficou abaixo do nível básico, por não dominar a divisão.

Educação financeira também não é suficiente, afirma Guilherme Lichand, professor da Universidade de Zurique e especialista em economia comportamental. Segundo ele, o efeito positivo de cursos de finanças pessoais desaparece com o tempo.

“Mas estudos mostram que benefícios de intervenções mais longas perduram por mais tempo. Ou seja, além de informar, é preciso formar hábitos financeiros saudáveis.”

Lichand é presidente do conselho da MGov, empresa que desenvolve ferramentas de gestão de políticas públicas e de ações de impacto social. Uma delas, chamada Poupe+, foi testada com beneficiários do Bolsa Família.

Durante 18 semanas, 7.000 pessoas receberam por SMS dica práticas, como a de separar dentro de envelopes, assim que receber o salário, o dinheiro para pagar contas de luz e água.

As mensagens também propunham anotar no papel os ganhos e gastos e evitar compras por impulso.

A análise de impacto (que compara estatisticamente grupo que recebeu SMS com outro semelhante que não recebeu) ainda depende da liberação de dados pela Caixa Econômica Federal, mas 92% dos usuários consultados pediram para continuar recebendo SMS.

Em pesquisas qualitativas, participantes relataram melhor equilíbrio financeiro e capacidade de poupança.

“Não é uma bala de prata. Ainda há muito o que fazer em educação financeira no país. Mas são ações simples que já produzem muito avanço”, diz Rafael Vivolo, diretor-executivo da MGov, que negocia a expansão do projeto para os clientes de baixa renda da Caixa.

Fonte: Folha de S.Paulo, 2 de julho de 2018.


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