Grupos de renovação pregam “novos líderes” com nomes da “velha política”

46dace13-87dd-4ff0-8b21-b99e90c68066O anseio por renovação política, sentimento dominante desde as manifestações de junho de 2013, pariu uma série de grupos suprapartidários dispostos a lançar nomes novos para oxigenar a Câmara dos Deputados. Os principais movimentos são o RenovaBR e a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). Juntos, preparam o lançamento de mais de 200 candidatos parlamentares na eleição de 2018.

Mas algumas das renovações anunciadas pelas iniciativas, que oficialmente visam forjar “novas lideranças políticas”, são personagens já conhecidas do que se convencionou chamar de velha política: deputados, ex-ministro, ex-secretários de governos, prefeitos e vereadores.

O deputado federal Alex Canziani (PTB-PR) é um dos integrantes da lista com 102 indicações de candidaturas selecionadas pela Raps para receber seu apoio até o pleito de outubro. Segundo o site da rede, mais de mil pessoas se inscreveram para participar do processo seletivo para defender o “único objetivo” do grupo: “Transformar a política brasileira”.

Canziani está no sexto mandato consecutivo na Câmara. Ele diz ter se inscrito na seleção da Raps sem saber exatamente o que é a rede. Apenas leu “alguma coisa no site” do grupo.

A lista da Raps inclui três vice-prefeitos, quatro deputados estaduais, quatro federais, quatro prefeitos e 20 vereadores. São nomes como o da vereadora de São Paulo Adriana Ramalho (PSDB), o deputado licenciado e secretário estadual da Agricultura Arnaldo Jardim (PPS-SP) e o vereador de segundo mandato por Uberlândia (MG) Adriano Zago (MDB).

“Sustentabilidade de mandato”

A principal bandeira do Raps é a sustentabilidade ambiental e social. Canziani reconhece que não é atuante na área. Ele é ligado à causa da educação, mas se mostra disposto a ajudar os novatos a atingir a “sustentabilidade do mandato”.

Canziani iniciou sua vida pública em 1989, como vereador em Londrina e pretende transmitir seu conhecimento eleitoral. “A gente consegue há 30 anos estar disputando eleições e pode colaborar em alguma coisa nesse sentido”, sinaliza.

O doutor em ciência política e pesquisador da FGV Humberto Dantas, que participou da criação de ambos os movimentos, avalia que no caso da Raps a opção por nomes conhecidos é uma maneira de focar na formação de um grupo parlamentar ligado à rede. “Acho que a Raps perdeu um pouco do seu sentido de renovação na política e de estímulo à participação de novas lideranças, se concentrando mais em ser uma rede de pessoas que já estão na política de maneira mais concreta e consistente”, afirma.

O pesquisador afirma que “alguns dos membros [da Raps] são bens contestáveis do ponto de vista da sustentabilidade”. Mas ele considera a rede e o RenovaBR, onde deu aulas no curso de capacitação de candidatos, ambientes relevantes para o debate horizontal de pessoas de diferentes origens sociais, ideológicas e partidárias.

“O Brasil fica procurando salvador da pátria para a Presidência e olha pouco para o Legislativo. Ter um movimento que procura as pessoas ou as estimula a participar do Legislativo é muito positivo”, diz Dantas.

“Solta em Madrid”

O combate à corrupção é um dos lemas do grupo liderado pelo empresário Eduardo Mufarej, o RenovaBr. Sob o slogan é “O Brasil tem jeito”, o movimento afirma em seu site oficial ter sido criado para “acelerar novas lideranças políticas e viabilizar o acesso do cidadão comum ao Congresso Nacional”.

O RenovaBr selecionou potenciais lideranças políticas. Foram mais de 400 postulantes a uma bolsa de financiamento para se preparar para as eleições. A peneira selecionou cem potenciais “talentos” à novas lideranças, que recebem entre 5 mil reais e 12 mil reais por mês para focar na política.

O principal critério de seleção foi o de que nenhum dos bolsistas poderia ter sido eleito para qualquer cargo público. Os antecedentes de filiação partidária e de ter disputado eleições foram descartados pelo RenovaBr. Há bolsistas ligados a partidos como PT, PTdoB, PSDB,PPS e Novo, entre outros.

A peneira permitiu a seleção do ex-ministro da Cultura do governo Michel Temer, o diplomata Marcelo Calero (Novo-RJ), como um dos bolsistas.

Ele ficou conhecido ao deixar o governo acusando o ex-ministro Geddel Vieira Lima(Secretaria de Governo) de pressioná-lo para liberar um empreendimento imobiliário em Salvador. Geddel foi preso pela Polícia Federal, após a descoberta de 51 milhõe de reais escondidos num apartamento na capital baiana.

Calero nunca ocupou cargo eletivo. Mas concorreu a deputado federal pelo PSDB, em 2010. Naquele ano, o DEM e o PPS formaram uma chapa com os tucanos para se opor ao MDB do então governador Sérgio Cabral, preso pela Lava Jato.

Em 2015, o ex-ministro foi nomeado secretário municipal do Rio de Janeiro na gestão do ex-prefeito Eduardo Paes (MDB) e presidiu o Comitê Rio450, criado para planejar o aniversário da capital fluminense naquele ano.

Apesar das ligações, o RenovaBR defende Calero como protagonista a um “episódio emblemático na nossa história política recente”, em referência à prisão de Geddel. “Ele mostrou que não está enquadrado nos dogmas e práticas da ‘velha política’ e saiu em defesa da transparência e do respeito ao patrimônio público”, afirma o movimento em nota.

Outra personagem conhecida listada pelo RenovaBr estava a dentista Patrícia Lima Ferraz, retirada do programa de bolsa após questionamento feito ao movimento por Carta Capital. Ela foi coordenadora do Programa de Saúde Bucal do Ministério da Saúde no Amapá, em cota de cargo do PSC e concorreu a deputada federal pela legenda em 2014.

Patrícia ganhou fama em 2016, após um tour em Madrid. Ela pediu licença médica do cargo e usou o tempo para visitar a capital da Espanha. Ao lado de amigas, ela publicou foto na redes sociais com a legenda “soltas em Madrid” e a hashtag #férias. Acabou exonerada do cargo público.

O RenovaBR afirma ter desligado Patrícia e que este será o procedimento do movimento sempre que identificar “alguém [que] não está alinhado aos nossos requisitos” de princípios do projeto.

“Chega de abacaxi”

Embora o comando do RenovaBR não tenha selecionado pessoas com mandato para as bolsas de formação de lideranças, a lista inclui personagens conhecidos da política em diversos estados.

Entre eles, o segundo colocado na eleição municipal de Uberlândia em 2012, Alexandre de Souza (PSB), a candidata derrotada à prefeitura de Belém (PA) Úrsula Vidal e o candidato derrotado em Morretes (PR), Meto Gnatta.

Compõem a lista também políticos de destaque em máquinas públicas estaduais, como o secretário de Educação do Mato Grosso, Marcos Marrafon, e o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Blumenau (SC), Jorge Cenci.

Cerca de 15 dos bolsistas do RenovaBr ou já ocuparam cargo público não-eletivo ou foram candidatos em outras eleições. Um deles é ligado a um nome tradicional da política paulista: Ricardo Mellão (Partido Novo), filho do ex-ministro e ex-deputado João Mellão Neto.

O pai ficou famoso ao adotar bordão criado por Jânio Quadros para sinalizar renovação na política: “Chega de abacaxi, vote Mellão!”. O filho não assume o slogan, mas busca manter o nome da família na política.

Ricardo foi candidato a vereador na capital paulista em 2016. Os 12.664 votos recebidos não foram suficientes para se eleger. É atualmente assessor especial da Secretaria de Gestão da prefeitura de São Paulo, onde ocupa cargos desde 2007.

A seleção de Ricardo, conforme o movimento, se deu por “rigoroso processo seletivo” incluindo testes, entrevistas e banca avaliadora. “Ele ingressou no curso da mesma forma que todos os outros selecionados, que atenderam às nossas expectativas e mostraram seu potencial para emplacar jeitos novos, diferentes e eficientes de fazer política e se relacionar com o eleitorado”, diz a nota.

A direção do RenovaBr afirma que no caso de Ricardo Mellão a “árvore genealógica nunca foi parâmetro para sua aprovação no programa”.

Fonte: Carta Capital

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