Governo Temer acelera agenda de medida que acaba com a reforma agrária no país

MP 759 permite a venda de lotes e assentamentos após 10 anos. Especialistas afirmam que assentados ficarão vulneráveis ao latifúndio

O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog) está prestes a autorizar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a realizar concurso para a contratação temporária de técnicos, especialmente para atuar em procedimentos de titulação de terras da reforma agrária, segundo informações publicadas em matéria da Rede Brasil Atual. A justificativa do governo Temer é que, até 2018, pretende titular 750 mil famílias assentadas, o que não seria possível com o atual déficit de servidores.

Embora o título de concessão do lote garanta ao trabalhador rural o acesso a financiamento e assistência técnica por meio de programas oficiais para incrementar a produção, a intenção do governo não é exatamente proporcionar incentivos como esses, mas sim atender à agenda estabelecida pela Medida Provisória 759/2016, que trata da regulamentação da questão fundiária urbana e rural em todo o país.

Enviada ao Congresso Nacional no dia 22 de dezembro do ano passado, a MP da regularização fundiária altera diversas leis, principalmente a Lei 8.929/1993 (Lei da Reforma Agrária), no artigo relacionado à titulação dos lotes nos projetos de reforma agrária. Pela legislação vigente, é facultado ao assentado, individual ou coletivamente, optar pela Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).

“Daqui em diante, as condições e a forma de outorga do título de domínio e da CDRU aos beneficiários dos projetos serão determinadas na regulamentação da própria MP. Em outras palavras, as famílias não terão mais direito à opção de serem concessionárias do uso da terra. Em vez disso, o governo poderá passar a emitir títulos conforme decreto. Para completar, o texto ainda estabelece um prazo de dez anos para que o assentado titulado nessa modalidade possa a vir negociar o título. Isso significa que o lote, ou o assentamento, passará a ser negociável (diferentemente do que estabelece a CDRU, portanto). Assentamentos com mais de dez anos passarão a entrar na mira de dos latifundiários”, explica a dirigente nacional do MST, Kelly Mafort.

A MP e a contratação de temporários são repudiadas pelos servidores do Incra. “Defendemos o fortalecimento do Incra e a reestruturação da carreira de seus servidores. Tanto que apresentamos emendas nesse sentido à MP 759. Queremos concurso público para preencher 3 mil vagas, que selecione pessoas qualificadas para a titulação, mas não nesses moldes e com essa finalidade que propõe a MP. O que queremos é titular as famílias conforme sua opção, e dar a elas as condições necessárias para que fiquem no campo e produzam”, afirma Reginaldo Marcos Aguiar, diretor nacional da Associação Nacional dos Servidores Públicos Federais Agrários (CNASI-SN).

Mudanças

Em seminário nacional sobre a reforma agrária e o desenvolvimento sustentável, realizado pelo CNASI-SN no início do mês, em Brasília, o especialista em questão agrária da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, se posicionou totalmente contrário à titulação. Em sua palestra, afirmou que “emitir títulos definitivos de lotes de assentamentos da reforma agrária é um erro grave, pois o resultado disso fatalmente será a reconcentração de terras, objetivo inverso ao da Política Nacional de Reforma Agrária.”

Ainda segundo o professor da USP, o Incra e o governo federal desrespeitaram a lei ao não debater com os verdadeiros interessados no processo – os assentados e agricultores familiares. “Terra reformada não é mais para voltar ao mercado”, enfatizou Umbelino.

Outra mudança é nos critérios de seleção das famílias, que passarão a ser chamadas por meio de edital de convocação no município onde o projeto de assentamento será localizado. Isso aponta para uma tendência de municipalização das ações de reforma agrária, que aparecem inclusive em outros pontos da proposta. Há muita preocupação em relação a essa delimitação geográfica sem discussão territorial também por causa da influência dos ruralistas sobre os gestores municipais.

Acirramento de conflitos

Pela MP, haverá uma lista de espera, terão prioridade famílias mais antigas no município e as acampadas no município. Outro critério de classificação suspeito é a preferência “ao desapropriado” – o primeiro beneficiário da desapropriação é o (pretenso) proprietário. Além de receber indenização, paga segundo valor de mercado de terras que não cumprem função social, poderá ficar assentado. Para o MST, trata-se de regra com potencial para causar agravar conflitos, além de distorcer e desqualificar a legítima luta pelo direito à terra.

A medida provisória, que trata ainda da regularização fundiária urbana e da Amazônia legal, além de dar diretrizes para a venda de terras da União, e que dialoga com outra proposta do governo, de permitir a venda de terras a estrangeiros, é tão estratégica que recebeu 732 emendas. “Seu relatório tem mais de 3 mil páginas. Só por isso já fica claro o enorme interesse que tem a bancada ruralista e golpista em retroceder a reforma agrária”, afirma o líder nacional do MST Alexandre Conceição. Na sua avaliação, as emendas vão no sentido de “piorar ainda mais a MP que já é um retrocesso ao regulamentar a grilagem de terra em todo o território nacional, que prorroga até 2022 o programa Terra Legal da Amazônia, que tira de acampados o direito de ser assentado e que não permite a criação de assentamentos para trabalhadores vítimas de trabalho escravo”.

Com edição do ANDES-SN.

Fonte: Rede Brasil Atual


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