Governo altera código penal para mascarar trabalho escravo no Brasil

Sob o pretexto de regular o pagamento do Seguro-Desemprego a trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão e possibilitar a atualização da Lista Suja – que traz o nome de empresas e empresários autuados por manter trabalhadores em situação de extrema exploração –, o Ministério do Trabalho publicou nessa segunda-feira (16), no Diário Oficial da União (DOU), a Portaria nº 1.129/2017, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira. No entanto, de acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a portaria reformula o conceito do trabalho escravo contemporâneo e impõe uma série de dificuldades à fiscalização e à publicação da ‘Lista Suja’, podendo criar a falsa impressão de que a escravidão contemporânea não mais existe.

“É mais uma medida do governo com o objetivo de enfraquecer a fiscalização e o combate ao trabalho escravo”, disse Carlos Silva, presidente do Sinait, para quem o ministro do Trabalho passou dos limites de suas atribuições legais e provoca enorme retrocesso no combate à escravidão contemporânea, atendendo a interesses de quem se beneficia da exploração de trabalhadores.
 
Através da portaria, o mistério do Trabalho altera os conceitos de trabalho escravo que estão no artigo 149 do Código Penal, algo que vem sendo tentado há anos pelo Congresso Nacional, em especial pelos parlamentares da bancada ruralista, sem sucesso devido à mobilização de entidades organizadas da sociedade civil.

“A portaria condiciona a caracterização do trabalho escravo ao consentimento ou não do trabalhador e à privação do direito de ir e vir, o que nem sempre ocorre. Muitas vezes o trabalhador não vai embora por falta de opção, ou por vergonha, porque acha que tem que saldar a dívida com o patrão, o que não significa que seu trabalho seja digno. Há muitos outros elementos presentes para comprovar a escravidão. O Ministério quer que voltemos ao conceito do Século XIX, de grilhões e correntes. Não vamos aceitar”, denuncia Carlos Silva.

O Sinait aponta ainda que o texto tenta retirar a atribuição dos Auditores-Fiscais do Trabalho para configurar o trabalho escravo, ao estabelecer a obrigatoriedade de ocorrência policial. Faz exigências descabidas para a lavratura de autos de infração. Propõe alteração e redução do conceito de jornada exaustiva, trabalho degradante e condições análogas às de escravo, tentando se sobrepor ao Código Penal.  Além disso, busca manipular politicamente a inclusão de empregadores na Lista Suja, pois isso dependeria da autorização expressa do ministro do Trabalho.

Na avaliação do presidente do Sinait, o governo quer tornar mais difícil caracterizar o trabalho escravo, o que, em pouco tempo, criaria a falsa impressão de que a escravidão acabou no país. “Com essa portaria, em pouco tempo haveria redução de mais de 90% dos resgates de trabalhadores. É o caso de tentar mudar a lei para alterar uma realidade, só que, nesse caso, para pior”, afirma.

MPT pedirá revogação da portaria
A portaria também foi alvo de críticas do Ministério Público do Trabalho (MPT), que já divulgou em nota que, junto  com o Ministério Público Federal (MPF) vai recomendar a revogação imediata da portaria. Caso isso não aconteça, o MPT declarou que tomará as providências cabíveis.
 
O procurador-geral do Trabalho em exercício, Luiz Eduardo Guimarães Bojart,  alertou que a portaria  descontrói a imagem de compromisso no combate ao trabalho escravo conquistada internacionalmente pelo Brasil nos últimos anos. “Ela reverte a expectativa para a construção de uma sociedade justa,  digna e engajada com o trabalho decente. Vale reafirmar que o  bom empresário não usa o trabalho escravo. A portaria atende apenas uma parcela pouca representativa do empresariado”.

Para o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, a portaria viola tanto a legislação nacional quanto compromissos internacionais firmados pelo Brasil. “O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da OIT”, denunciou Cavalcanti, em nota divulgada pelo MPT.
 
Lista suja
A ‘Lista Suja’ é o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo. Ele é um mecanismo público de transparência do Estado Brasileiro, criado em 2003, que divulga o nome de pessoas físicas ou jurídicas que foram flagrados com a utilização de mão de obra escrava. 
 
A Lista ficou suspensa por mais de dois anos e somente voltou a ser publicada por determinação judicial, após o ministério do Trabalho perder o recurso na justiça. A última atualização do cadastro foi realizada em 22 de julho desse ano e traz o registro de 83 nomes de pessoas físicas e jurídicas. Consulte aqui. 
 
Até a publicação da Portaria nº 1.129/2017, a organização e divulgação do lista suja era responsabilidade da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) e a atualização da relação podia ocorrer a qualquer momento. Vale lembrar que o chefe da Detrae responsável pela mais recente atualização da lista, André Roston, foi dispensado na última semana.

Agora, a divulgação da lista suja ficará a cargo do ministro do Trabalho e a atualização será publicada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro. 
 
Trabalho infantil
O Grupo Especial de Combate ao Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho encontrou, durante uma operação realizada em Roraima no último dia 11, 118 crianças e adolescentes trabalhando em atividades listadas como algumas das piores formas de trabalho infantil, por serem prejudiciais à saúde e à segurança das crianças.
 
A operação foi realizada em feiras públicas, carvoarias e no aterro sanitário da cidade, onde foram encontradas 13 crianças trabalhando na coleta dos dejetos. Pela gravidade da situação verificada no lixão onde as crianças foram flagradas nas atividades ilegais, o Grupo Especial optou pela interdição do local, emitindo pedido de providência imediata à Sanepav Ambiental, empresa responsável pela administração do espaço. Foram emitidos termos de afastamento imediato das crianças encontradas em situação de grave risco, além de 12 autos de infração relacionados às Normas de Segurança e Saúde.

* Com informações do Sinait, MPT e Agência Brasil. Imagem: Repórter Brasil

Fonte: ANDES-SN


BOLETIM ELETRÔNICO


REDES SOCIAIS