Faz sentido uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?

As redes de ensino de todo o país estão sendo instadas a se mobilizar em torno do documento intitulado Base Nacional Comum Curricular proposto pelo Ministério da Educação. Antes mesmo de se perguntarem se faz sentido uma base comum nacional ou um currículo mínimo nacional, educadores dos mais diferentes lugares, formações e campos de atuação estão se debruçando sobre as listagens de objetivos elaboradas por especialistas a pedido do MEC, e que em muitos aspectos remetem à taxionomia de objetivos que marcaram a política curricular nacional em tempos de ditadura civil-militar. As justificativas para tal empreendimento estariam, conforme consta do documento, ancoradas no Plano Nacional de Educação 2014-2024 (BRASIL, 2014).

Observatório do Ensino Médio UFPR

Neste texto, indagamos sobre os sentidos que pode adquirir a proposição dessa Base Nacional Comum Curricular.

A primeira indagação que julgamos pertinente diz respeito à “natureza” de uma política curricular nacional: mais prescritiva ou menos prescritiva? A argumentação do início do texto faz uma crítica à dimensão do controle por parte do Estado sobre as escolas e, em consequência, sobre a formação dos indivíduos. Uma listagem de objetivos sequenciados temporalmente, como está no Documento da Base Nacional Comum Curricular, é expressão dessa dimensão regulatória e restritiva, e reforça a ideia de que se trata de algo que conduz a uma formação administrada, que é justamente o oposto do que está anunciado nos textos das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais, isto é, a possibilidade que a escola vá ao encontro de uma formação crítica e emancipatória.

É possível falar em um “currículo nacional” sem recair na ideia de uma determinação que desconsidera a realidade que insiste em ser não linear e desigual? Diante de todos os cuidados em se tomar a diferença como elemento central nas proposições sobre currículo, respeitando a multiplicidade de formas de se viver a infância e a juventude, a proposta de Base Nacional Comum Curricular vai justamente em sentido oposto ao entendimento de que enfrentar as desigualdades passa por respeitar e atentar para a diferença e diversidade de todos os tipos, desde a condição social até as diferenças étnico-raciais, de gênero, sexo etc. A padronização é contrária ao exercício da liberdade e da autonomia, seja das escolas, seja dos educadores, seja dos estudantes em definirem juntos o projeto formativo que alicerça a proposta curricular da escola. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais exaradas pelo Conselho Nacional de Educação, dado seu caráter norteador e menos prescritivo, já não seriam suficientemente definidoras e capazes de respeitar as diferenças regionais, culturais etc.?

Outro questionamento diz respeito à pertinência de um “currículo nacional” em face das avaliações nacionais (ENEM, Prova Brasil e assemelhados). Certamente está no horizonte que a Base Nacional Comum Curricular se instituirá como estratégia de controle também por meio das avaliações e, uma vez mais, não apenas irá reiterar as desigualdades como também poderá reforçá-las. Os exames atualmente incidem diretamente sobre as escolhas em termos de currículo. Agora, a Base Nacional Comum Curricular passaria a determinar os conteúdos dos exames. Esta é uma das justificativas para sua existência: garantir maior fidedignidade às avaliações. Isso nos leva a uma lógica paradoxal a partir da qual nos vemos como que andando em círculo: dos exames para o currículo e do currículo para os exames. Esse o sentido dessa visão limitada e restritiva de currículo implícita na ideia de uma base nacional comum como listagens de objetivos. Portanto, resta a pergunta: qual o sentido da educação e da escola? Preparar para exames? O que fazer com a perspectiva de formação humana que não se encerra nesse círculo concêntrico e visa a propiciar uma genuína experiência formativa?

Por fim, o que esperar dos tensionamentos entre a base curricular existente pela tradição e a determinação oficial de um currículo mínimo nacional? Seria este capaz de fazer frente à base curricular múltipla e diversa? Como as escolas irão reagir diante da imposição do Ministério da Educação quando diz: – É isto que vocês devem ser!

Monica Ribeiro da Silva

Universidade Federal do Paraná


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