Facebookcracia e o uso não autorizado de dados

O mais recente escândalo de manipulação de informações privadas não deixa dúvidas sobre o poder ilimitado da rede social de Mark Zuckerberg

Mark Zukemberg

Zuckerberg só deu explicações após as ações da empresa despencarem nas Bolsas

A firma de análise de dados que trabalhou para a equipe de eleição de Donald Trump e para a vitoriosa campanha do Brexit colheu milhões de perfis do Facebook de eleitores americanos, em uma das maiores invasões de dados da gigante tecnológica, e os usou para construir um poderoso programa de software para prever e influenciar opções nas urnas.

Um denunciante revelou ao Observer como a Cambridge Analytica, companhia de propriedade do bilionário dos fundos de hedgeRobert Mercer, e chefiada na época pelo principal assessor de Trump, Steve Bannon, usou informações pessoais obtidas sem autorização no início de 2014 para construir um sistema capaz de perfilar eleitores individuais dos Estados Unidos para lhes enviar anúncios políticos personalizados.

Christopher Wylie, que trabalhou com um professor da Universidade de Cambridge para obter os dados, disse ao Observer: “Exploramos o Facebook para captar perfis de milhões de usuários. E construímos modelos para explorar o que sabíamos sobre elas e visar seus demônios interiores. Essa foi a base sobre a qual se construiu toda a empresa”.

Documentos vistos pelo Observer, e confirmados por uma declaração do Facebook, mostram que no fim de 2015 a empresa descobriu que havia sido colhida informação em uma escala sem precedentes. Na época, ela não alertou os usuários e tomou medidas limitadas para recuperar e proteger a informação particular de mais de 50 milhões de indivíduos.

O New York Times relatou que cópias dos dados colhidos para a Cambridge Analytica ainda podem ser encontrados online. Sua equipe de reportagem viu alguns dados.

As informações foram colhidas por meio de um aplicativo chamado thisisyourdigitallife (esta é a sua vida digital), construído pelo professor Aleksandr Kogan, separadamente de seu trabalho na Universidade de Cambridge. Por meio de sua companhia, a Global Science Research, em colaboração com a Cambridge Analytica, centenas de milhares de usuários foram pagos para fazer um teste de personalidade e aceitaram que seus dados fossem coletados para fins acadêmicos.

O app colheu, porém, informações sobre os amigos daqueles que fizeram o teste, levando ao acúmulo de um banco de dados de dezenas de milhões de indivíduos. A “política da plataforma” do Facebook só permitia a coleta de dados de amigos para melhorar a experiência do usuário no app e proibia que fossem vendidas ou usadas em publicidade.

A descoberta da coleta de dados sem precedentes, e o uso que lhes foi dado, levanta novas perguntas urgentes sobre o papel do Facebook em visar eleitores nos Estados Unidos. Ela ocorre poucas semanas depois da acusação a 13 russos pelo procurador especial Robert Mueller, que declarou que eles usaram a plataforma para perpetrar “guerra de informação” contra os EUA.

A Cambridge Analytica e o Facebook são o foco de um inquérito sobre dados e política pelo Escritório do Comissário Britânico de Informação. Separadamente, a Comissão Eleitoral investiga o papel da Cambridge Analytica no referendo britânico sobre a saída da União Europeia, o Brexit.

Donald Trump
O uso sem autorização dos dados serviu à campanha de Donald Trump (Kena Betancur/AFP)

“Estamos investigando as circunstâncias em que os dados do Facebook podem ter sido ilegalmente adquiridos e usados”, disse a comissária de Informação, Elizabeth Denham. “Faz parte de nossa atual investigação sobre o uso de análise de dados para fins políticos que foi lançada para considerar como partidos políticos e campanhas, empresas de análise de dados e plataformas de redes sociais no Reino Unido usam e analisam informação pessoal ao enviar mensagens específicas aos eleitores.”

Na sexta-feira 16, quatro dias depois de o Observer procurar comentários para esta reportagem, dois anos depois de o vazamento de dados ter sido relatado, o Facebook anunciou que suspenderia a Cambridge Analytica e Kogan da plataforma, aguardando mais informações sobre o desvio de dados. Em separado, advogados externos do Facebook advertiram o Observer a respeito de afirmações “falsas e difamatórias” e reservaram a posição jurídica do Facebook.

As revelações provocaram indignação generalizada. A secretária de Justiça do estado de Massachusetts, Maura Healey, anunciou que abrirá uma investigação. “Os moradores merecem respostas imediatamente do Facebook e da Cambridge Analytica”, disse no Twitter.

O senador democrata Mark Warner disse que a coleta de dados em escala tão vasta para fins políticos salienta a necessidade de o Congresso aperfeiçoar os controles. Ele propôs uma Lei de Anúncios Honestos para regulamentar a publicidade política online, da mesma forma que na televisão, no rádio e na mídia impressa.

“Esta história é mais uma evidência de que o mercado de publicidade política online é essencialmente um faroeste. Quer esteja permitindo que os russos comprem anúncios políticos, ou um extenso ‘micro-targeting’ com base em dados de usuários obtidos de maneira ilegal, está claro que se não for regulamentado esse mercado continuará inclinado ao embuste e à falta de transparência”, disse Warner.

No mês passado, o Facebook e o CEO da Cambridge Analytica, Alexander Nix, disseram em um inquérito parlamentar sobre notícias falsas que a empresa não teve ou usou dados privados do Facebook.

O algoritmo e a base de dados formaram uma poderosa ferramenta política. Ela permitiu que a campanha identificasse possíveis eleitores indecisos e criasse mensagens com maior probabilidade de causar efeito.

“O produto definitivo do conjunto de treinamento é criar um ‘padrão-ouro’ de compreensão da personalidade a partir da informação de perfil do Facebook”, especifica o contrato. Ele promete criar uma base de dados de 2 milhões de perfis “comparados”, identificáveis e ligados a registros eleitorais, em 11 estados americanos, mas com espaço para se expandir.

Na época, mais de 50 milhões de perfis representavam cerca de um terço dos usuários ativos na América do Norte e quase um quarto dos potenciais eleitores norte-americanos.

O advogado de Steve Bannon disse que ele não tem comentários a fazer porque seu cliente “não sabe nada sobre as alegações feitas”. E acrescentou: “A primeira vez que o senhor Bannon ouviu falar nessas reportagens foi em perguntas da mídia nos últimos dias”. Ele encaminhou as perguntas para Nix.

Fonte: Carta Capital


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