DF tem censo inédito para mapear realidade e condições de vida das lésbicas

 
Projeto será nacionalizado no segundo semestre para mapear a realidade das mulheres lésbicas em todo o Brasil, a fim de recolher informações e subsidiar a formulação de políticas públicas. De acordo com os dados levantados pelo LesboCenso do DF, 82,5% das mulheres que responderam a pesquisa afirmaram já ter sofrido alguma agressão por serem lésbicas
Em 27 de agosto de 2016, a polícia militar do Distrito Federal encontrou o corpo carbonizado da jovem Katyane Campos de Góis, de 26 anos, lésbica e negra. A vítima estava nua, tinha sinais de estrangulamento e abuso sexual e foi encontrada perto do Teatro Nacional Claudio Santoro, área central de Brasília. Ela foi morta às vésperas do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, celebrado em 29 de agosto. Na época, a polícia imediatamente associou à morte de Katyane a ‘acerto de drogas’ e não à possibilidade de ela ter sido morta por lesbofobia (assassinato de ódio à mulher lésbica). Mais de um ano depois do crime bárbaro, não há anúncio de suspeitos nem solução para o caso.
Por conta desse cenário de desinformação, subnotificações de crimes e de falta de políticas públicas as mulheres lésbicas, exemplificado pelo assassinato de Katyane, a Associação Lésbica Feminista do Distrito Federal Coturno de Vênus lançou, em fevereiro deste ano, o Censo de Lésbicas do Distrito Federal e Entorno 2018 (LesboCenso 2018) para identificar e mapear as lésbicas no DF, a fim de recolher informações e subsidiar a formulação de políticas públicas, além de promover a visibilidade lésbica, entre outras medidas. O formulário está disponível online e também em casas de cultura em todo o DF, e está aberto também para resposta de mulheres lésbicas de outros estado. As interessadas em contribuir com a pesquisa podem fazê-lo até o final do mês de abril.
“Uma das nossas grandes bandeiras é pela visibilidade lésbica, e essa continua sendo uma das nossas pautas principais. E o censo vem nessa direção de ampliar o debate seguinte sobre qual visibilidade nós queremos. Quem somos? Quantas somos? Onde estamos? Para nos tornarmos visíveis e exigir do Estado os nossos direitos e políticas públicas para nós”, explica Cláudia Macedo, uma das representantes do Coturno de Vênus.
Os dados preliminares do LesboCenso 2018 indicam uma situação crítica. Entre as mulheres lésbicas que responderam a pesquisa, 80% são do DF e têm entre 16 a 60 anos. Do total de mulheres, 82,5% já sofreram alguma agressão, como assédio moral, sexual e/ou violência psicológica, 63% são assumidas em todos os espaços de convivência e 35% em apenas alguns. Destas últimas, 60% das mulheres não se assumem para a família.
Cláudia Macedo ressalta que o preconceito precisa ser combatido dentro de casa, no ambiente de trabalho, nos espaços religiosos e, principalmente, nas escolas, onde a sexualidade deveria ser debatida como uma forma de vivência, algo natural. Ela relembra o caso de Katyane que foi expulsa de casa – após os pais descobrirem a sua sexualidade – e assassinada, ao que tudo indica, por ser lésbica.
“Além da violência doméstica, familiar e religiosa, há a falta de oportunidade as mulheres lésbicas, 40% delas estão desempregadas, pois não conseguem se inserir no mercado de trabalho, porque, além do mercado ser machista, ele também é lesbofóbico, cobrando um ‘padrão’ de mulher que é aceito nesse ambiente de trabalho, de preferência, dentro do armário”, disse a representante do Coturno de Vênus, a qual ainda citou que 40% das mulheres lésbicas empregadas recebem menos de R$ 1000 por mês.
Censo Nacional
Após finalizar o prazo do Censo no DF e sistematizar os números, a ideia é expandir a pesquisa para todo o Brasil, já no segundo semestre deste ano, em conexão com a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e Associação Brasileira de Lésbicas (ABL) divulgando amplamente os formulários. “Esse projeto aqui no DF é um piloto, que servirá de diretriz para a pesquisa nacional, quando estávamos formulando as perguntas para a pesquisa tivemos o apoio das companheiras dos movimentos, que demonstraram interesse em expandir a pesquisa para todo o Brasil, porque temos pouquíssimos dados das mulheres lésbicas no país e sempre relacionados à morte”, explicou Cláudia.
Números
A ignorância, a ausência do debate sobre sexualidade e gênero nas escolas, o fundamentalismo religioso, além da falta de políticas públicas para os LGBT, são alguns dos motivos para o Brasil ser o país que mais mata a população LGBT no mundo.
Em 2017, 445 mortes de LGBT foram registradas: 194 eram gays, 191 eram pessoas trans, 43 eram lésbicas e cinco eram bissexuais, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB). O número representa uma vítima a cada 19 horas. O registro é o maior desde que o monitoramento anual começou a ser elaborado pela entidade, há 38 anos. O levantamento realizado se baseia principalmente em informações veiculadas pelos meios de comunicação. Para a entidade, o fenômeno pode ser ainda maior, uma vez que muitos casos não chegam a ser noticiados.
Em relação à maneira como eles foram mortos, 136 episódios envolveram o uso de armas de fogo, 111 foram com armas brancas, 58 foram suicídios, 32 ocorreram após espancamento e 22 foram mortos por asfixia. Há ainda registro de violências como o apedrejamento, degolamento e desfiguração do rosto.
Quanto ao local, 56% dos episódios ocorreram em vias públicas e 37% dentro da casa da vítima. Segundo o GGB, a prática mais comum com travestis é o assassinato na rua a tiros ou por espancamento. Já gays em geral são esfaqueados ou asfixiados dentro de suas residências.
No caso das lésbicas, tais crimes foram perpetrados muitas vezes por ex-companheiros ou familiares inconformados com a união homoafetiva, como foi o caso recente que ocorreu este ano, com Anne Mickaelly, 23 anos, que foi assassinada a facadas em Samambaia, Brasília (DF), pelo pai de sua namorada no dia que faria o pedido de casamento.
Outro caso brutal de lesbofobia ocorreu em abril de 2016, quando Luana, 34 anos, lésbica, mãe e negra, foi abordada e espancada por policiais militares na periferia de Ribeirão Preto (SP), após se recusar ser revistada por policiais homens. Ela morreu cinco dias depois a violência.
 

Fonte: ANDES-SN

BOLETIM ELETRÔNICO


REDES SOCIAIS