Defesa de Rafael Braga entra com recurso de apelação à condenação

Foi protocolado na quarta-feira (19), pelos advogados do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH) que atuam na defesa de Rafael Braga Vieira, o recurso de apelação à sentença do juiz Ricardo Coronha Pinheiro, que condenou o catador de latas à pena de 11 anos e três meses de reclusão e ao pagamento de R$ 1.687, no dia 20 de abril, por tráfico e associação para o tráfico de drogas. A defesa também havia impetrado habeas corpus, solicitando a revogação da prisão preventiva de Rafael, no dia 1º de junho, mas o pedido ainda não foi julgado.

Já nas preliminares do documento que apresenta as razões de apelação, os advogados abordam dois pontos específicos, afirmando que não houve fundamentação por parte do juiz para negar à defesa de Rafael dois de seus requerimentos: o de retirada das algemas de Rafael durante as audiências e o de diligências consideradas necessárias para o esclarecimento do caso — como as imagens da câmera da viatura em que Rafael foi levado pelos PMs e da câmera da UPP Vila Cruzeiro, para onde fora conduzido antes de seguir para a delegacia, em 12 de janeiro de 2016.

Nulidades

“O primeiro sentido objetivo das razões de apelação é questionar duas nulidades: a primeira é o fato de ele ter respondido à segunda parte da audiência de instrução e julgamento algemado sem motivação. Esta é a primeira nulidade e a gente pede que o processo retroaja até essa data porque ele não poderia ter sido algemado sem a justificativa devida”, explica o advogado Carlos Eduardo Martins, do DDH, em entrevista à Ponte Jornalismo.

O juiz justificou a ordem para que as algemas fossem mantidas com a alegação de que se tratava de um caso de repercussão pública e que ele temia que o réu pudesse oferecer perigo à segurança dos presentes. Na segunda parte da audiência, cerca de dois meses depois, ele “se reportou automaticamente aos fundamentos da primeira parte da audiência”, segundo Martins.

A segunda nulidade se refere ao fato de o juiz Ricardo Coronha ter negado o pedido de diligências da defesa, sob o argumento de que as imagens das câmeras seriam desnecessárias para o desfecho do processo. “Entendo que a diligência, da forma como foi requerida, de maneira ampla e genérica, não tem condão de trazer elementos de grande valia ao julgamento do feito, além daqueles já constantes nos autos. Na verdade, a meu sentir, só onera o bom andamento do processo, tornando-a impertinente”, escreveu o juiz na decisão que, segundo os advogados de defesa de Rafael, violou o direito à ampla defesa do acusado. Segundo Martins, “o processo deve ser anulado desde a negativa dessas diligências, por ofensa ao postulado da ampla defesa”.

“A impossibilidade da utilização desses elementos importantes de prova por parte da defesa não pode ser interpretada, em nenhuma hipótese, como ato de conveniência do magistrado que julga um determinado feito, mas sim como nítido cerceamento defensivo, que afronta o comando legal do art. 5º, LV, da CRFB/88”, afirma a defesa de Rafael Braga.

Mérito

Já no mérito, os advogados detalham no documento as contradições apresentadas pelos policiais que prenderam Rafael em seus depoimentos durante a prova de acusação.  “Todos os momentos mais caóticos em que eles caem em contradição desde a circunstância da prisão até as circunstâncias de dinheiro, de onde surgiu a denúncia para que o Rafael fosse capturado, as circunstâncias relacionadas à questão da condução dele para a delegacia. Ou seja, todas as circunstâncias que envolveram a prisão”, diz Martins.

Os advogados de defesa também questionam a forma como o juiz desconsiderou o depoimento da única testemunha de defesa, que viu o momento em que Rafael foi abordado de forma violenta pelos PMs e atestou, entre outros aspectos, que o jovem nada levava nas mãos. “Alegamos a coerência do depoimento da testemunha com a fala dele, o que nos coloca diante de um grau de importância muito grande desse depoimento e que não foi avaliado da maneira como deveria pelo Juízo, que simplesmente passou por cima dele dizendo que era o depoimento de uma pessoa próxima à família e que não merecia credibilidade, apesar de ela ter sido ouvida como testemunha e não informante”, afirma o advogado do DDH.

O recurso questiona ainda “a situação da violação ao princípio da presunção de inocência na dimensão probatória e a questão da ausência de prova para condenação do Rafael pelo crime de tráfico e de associação ao tráfico”, sintetiza o advogado, e aborda a “falta do elemento normativo ‘para configurar associação para o tráfico’”. A partir desta alegação, a defesa coloca ainda a possibilidade de “eventual desclassificação do crime de tráfico para o crime de uso, diante da quantidade das substâncias supostamente apreendidas”, explica Martins.

Somente na 22ª Delegacia de Polícia (Penha), onde a ocorrência foi registrada em 12 de janeiro do ano passado, foi que Rafael se deparou com 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão, cujo porte lhe foi falsamente atribuído pelos policiais que o prenderam, de acordo com o depoimento do catador de latas à Polícia Civil no dia da prisão. A versão foi mantida por ele quando depôs ao juiz em audiência também acompanhada pela Ponte em 8 de junho de 2016.

Após retomar a linha de todos os argumentos apresentados ao longo do documento, a defesa de Rafael solicita, por fim, que, caso a condenação seja mantida, seja revista “a pena desproporcional aplicada a ele, porque foram valorados maus antecedentes e reincidência na primeira fase de aplicação da pena, o que é indevido dentro do campo penal”, de acordo com Martins.

ANDES-SN se posiciona contra a seletividade da justiça

Durante o 62º Conad, realizado no mês de julho em Niterói (RJ), uma moção contra a seletividade da justiça foi aprovada pelos delegados. A moção, que cita o caso de Rafael Braga como um dos grandes exemplos de como a justiça condena a juventude negra e pobre enquanto fecha os olhos para os crimes dos poderosos e denuncia o alinhamento político do judiciário com os poderes executivo e legislativo na retirada de direitos dos trabalhadores.

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Edição de ANDES-SN 

Fonte: Ponte Jornalismo


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