Curitiba tem mesmo o germe do fascismo?

6 de setembro de 2023
APUFPR-CURITIBA-GERME-FASCISMO
Extremistas pró-Bolsonaro arrancam faixa de defesa da educação (maio/2019)

Em maio deste ano, uma fala do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no programa Roda Viva, causou alvoroço nos setores de extrema-direita do país: “Curitiba gerou Bolsonaro. Curitiba tem o germe do fascismo”.

Usada de forma isolada, poderia parecer apenas uma crítica ao caráter supostamente mais “conservador” da capital paranaense. Mas o ministro se referia aos crimes cometidos pela Lava-Jato, uma operação do Ministério Público Federal, com base em Curitiba, que fingia que tinha o objetivo de combater a corrupção, mas se revelou um instrumento político corrupto de perseguição a adversários políticos e manipulação das informações para uso autoritário da Justiça com fins políticos e financeiros. 

Mendes se referia aos crimes cometidos pelo então juiz Sérgio Moro e pelo coordenador da operação, o procurador Deltan Dallagnol, que, na prática, agia como subordinado do magistrado e cumpria suas ordens para perseguir adversários políticos e alavancar as ideias da extrema-direita no país.

Como se sabe, depois de tudo isso Moro tentou ser candidato a presidente, mas teve que se contentar com o cargo de senador, enquanto Deltan foi eleito deputado federal, mas foi cassado por abandonar o cargo no MPF enquanto estava sendo investigado e sabia que tinha grandes chances de ser vergonhosamente expulso do órgão, pelas inúmeras irregularidades que cometeu na condução da operação. 

O mais revelador: queriam fama para, entre outras coisas, entrar na política. E o fizeram criminalizado a própria política (vejam só), mas logo revelaram sua inclinação à extrema-direita (nas votações, pronunciamentos e postagens em redes sociais), o que deixa evidente que a atuação de ambos na Lava-Jato era farsesca e hipócrita, e serviu para alavancar o extremismo que criaram um ambiente político e social deteriorado e radicalizado, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro.

E foi esse emaranhado de situações que Gilmar Mendes resumiu com aquela frase que, por mais que possa até parecer exagerada, traz importantes reflexões quando analisamos outros elementos. Por exemplo, um “Congresso Conservador”, realizado no final de agosto em Curitiba para organizar a horda extremista e evitar a debandada após os escândalos de desvios e contrabando de joias por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro (eles precisam que seus seguidores acreditem que uma fantasiosa “ameaça comunista” é mais relevante do que os crimes de seu líder e mentor), o ataque da milícias MBL à UFPR na semana passada ou mesmo acontecimentos anteriores na capital paranaense nos mostram que a alusão feita pelo ministro não está tão desconectada da realidade. 


A semente do mal

Em 2016, durante os embates do golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, várias pessoas foram agredidas em Curitiba por estarem vestindo roupas com a cor vermelha. Eram cidadãos não militantes, mas os radicais estavam tão estimulados a cometer atos de violência que a cor de uma roupa ou até de uma coberta de bebê eram suficientes para ativa o gatilho do ódio. Isso se repetiu em várias outras ocasiões nos anos seguintes.

Em maio de 2019, manifestantes pró-Bolsonaro arrancaram uma faixa que estava pendurada no prédio histórico da UFPR, na praça Santos Andrade. A frase era simples: “Em defesa da Educação”. Só isso. 

Não havia qualquer alusão a ideologias “de esquerda” e nem críticas ao governo. Mas foi o suficiente para que os radicais mostrassem os dentes e colocassem para fora os monstros internos que já eram alimentados pelo extremismo.

Foi um ato que, embora parecesse de profunda irracionalidade, era revelador: o ódio se dirigia a qualquer assunto que promovesse o bem-estar social.

Como disse o dramaturgo e poeta alemão Eugen Bertholt Friedrich Brecht, conhecido como Bertolt Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Embora estivesse no contexto do nazismo entre as duas guerras mundiais, na primeira metade do século passado, esse alerta se comprovou atemporal.

Aqui no Brasil, saímos da ditadura, em 1985, sem resolver questões importantes com a história do país. Praticamente nenhum militar foi preso ou responsabilizado pelos crimes cometidos pelo regime que havia se instalado em 1964. Diferentemente de outros países da América Latina e da Europa, nos quais os crimes de militares não foram esquecidos e nunca mais se criou “clima” para novas ditaduras, a ampla anistia brasileira, que foi importante para a retomada dos direitos políticos da população em geral, também protegeu os militares.

É por isso que, na declaração de voto pelo impeachment da presidente Dilma, em 2016, Bolsonaro se sentiu livre para homenagear um militar torturador e chamá-lo de herói. 

O mesmo veio acontecendo nos anos posteriores, com reiterados pedidos de “intervenção militar” nos atos pró-bolsonaro e, mais recentemente, a tentativa efetiva de golpe nas eleições de 2022 e no dia 8 de janeiro deste ano.

Isso porque, mesmo com a imagem manchada pela memória da ditadura, os militares continuaram mantendo o Brasil refém: essa ameaça sempre esteve presente.

Só precisavam de uma oportunidade. E ela veio, quando foi criado uma espécie de consórcio entre a Lava-jato, a velha imprensa e setores das “elites” para derrubar Dilma e perseguir políticos do partido que governava o país. 

E tudo isso a partir de Curitiba, cidade comandada por um prefeito que admitiu ter nojo de pessoas pobres.

Extremistas da milícia MBL atacam estudantes da UFPR com spray de pimenta

 

Capital da resistência

Os extremistas sabem que a maioria das pessoas não apoiariam ideias tão radicais quanto a que eles cultivam, como o extermínio de grupos sociais que pensam diferentes deles, por exemplo. Por isso, enganam a população com o uso do termo “conservadorismo”. 

Assim, muitas pessoas que estariam apenas no campo “conservador”, acabam apoiando a militância de extrema-direita que tenta, aos poucos, inserir ideias fascistas na população (paranoias, ódio, perseguição, violência e totalitarismo, entre outras características).

O tal “Congresso Conservador de Curitiba” foi, na verdade, um palco para o extremismo e para ideias fascistas, o que é evidenciado pelo perfil dos “palestrantes” que eram destacados na divulgação.

Mas como grande parte da população curitibana está tão infectada pelas mentiras e não consegue distinguir mais essas diferenças, acaba apoiando e ajudando a eleger alguns desses militantes radicais. Porém, é importante ressaltar que a opção da população de Curitiba para a Prefeitura nas duas últimas eleições foi por um político “conservador” bem tradicional, rejeitando os candidatos de extrema-direita que participaram da disputa.

Além disso, durante os quatro anos de governo Bolsonaro, Curitiba teve grandes manifestações de resistência contra o avanço do autoritarismo, em defesa da educação e pela exigência de vacinas durante a pandemia. A APUFPR organizou várias dessas manifestações ao longo desse período e tiveram boa aceitação por parte dos moradores da capital.

O verdadeiro germe do neofascismo brasileiro foi a agora desmoralizada operação Lava-Jato, cujos “próceres” (Moro, Deltan e demais procuradores) terão seus desvios investigados pela Advocacia Geral da União (AGU), por determinação do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu que foi ela foi “um dos maiores erros judiciários da história do país, por se tratar de uma armação fruto de um projeto de poder, com objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra a lei.”

Por isso, neste novo momento do país, temos novas tarefas a cumprir. Assim como em tantos locais onde a conjuntura contribuiu para o crescimento do extremismo, é possível reduzir a radicalidade política na população. Nos últimos tempos, temos buscado contribuir para a busca do diálogo com a sociedade, para fora dos muros da UFPR.

Acreditamos que todos aqueles que defendem a Democracia e os preceitos constitucionais também podem contribuir com esse propósito.

Fonte: Apufpr.

 


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