ANDES-SN entrevista Graça Druck sobre os impactos da terceirização no país

O ANDES-SN entrevistou Graça Druck, professora titular da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), sobre as consequências da terceirização irrestrita na vida dos trabalhadores brasileiros. Graça é pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Ufba e do CNPq, na área de Sociologia do Trabalho.

Segundo a docente, a terceirização em todas as áreas (atividade-fim e atividade-meio) das empresas, nas esferas públicas e privadas, precarizará as relações de trabalho. O Projeto de Lei da Terceirização tramitava no Congresso Nacional desde 1998 e foi desengavetado, às pressas, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 22 de março e convertido posteriormente na Lei nº 13.429/2017.

ANDES-SN: Quais as consequências da aprovação da terceirização irrestrita para a vida dos trabalhadores brasileiros?

Graça Druck: As consequências são a “precarização como regra”, pois todas as pesquisas desenvolvidas nos últimos 25 anos mostram a associação permanente entre terceirização e precarização do trabalho. Investigações realizadas no grupo de pesquisa do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Ufba, cujos resultados foram publicados em teses, dissertações, monografias artigos e livros, com diferentes categorias profissionais, como petroquímicos, petroleiros, complexo automotivo, callcenters, trabalhadores dos serviços de limpeza, portaria e vigilância da Ufba, construção civil, dentre outros, assim como na pesquisa de temáticas em que a terceirização se apresenta com destaque, a exemplo de assédio moral, saúde do trabalhador, processos na Justiça do Trabalho, trabalho análogo ao escravo, dentre outros, as conclusões, invariavelmente, evidenciam a precarização em todos os campos.

É assim na desigualdade salarial nos petroquímicos em que terceirizados chegavam a ganhar cinco vezes menos que os empregados diretos; nos petroleiros, em que as mortes por acidentes de trabalho de terceirizados representam 90% do total; nos trabalhadores de callcenters, cujo índice de adoecimento (LER/DORT) é um dos mais elevados, com menores benefícios e remuneração em relação aos bancários; nos até 10 anos sem férias de trabalhadores terceirizados da Ufba; nas redes de subcontratação no complexo automotivo do Nordeste, em que a ponta do processo tem trabalhadores sem carteira e por “empreita”; na construção civil, onde a chance dos terceirizados morrer no trabalho é de 2,3 a 4,9 vezes maior do que a média de acidentes fatais em todo mercado de trabalho; ou nos 81% de trabalhadores terceirizados no total de resgatados em condições análogas ao escravo no país.

Antes da votação deste PL, já se constatava uma verdadeira epidemia da terceirização, mas havia ainda algum limite estabelecido pelo Enunciado 331, que proibia terceirizar a atividade-fim.  Caindo esse limite para o setor público e privado, é generalização dessas precárias condições para todos os trabalhadores.

No caso do serviço público, a terceirização é o principal instrumento de privatizá-lo e de levar a extinção do funcionalismo. Na área de Saúde, onde tem se multiplicado a terceirização através do uso de Organizações Sociais (Os) na gestão de hospitais públicos, auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e pesquisas demonstram a inexistência de qualquer controle sobre o repasse de recursos públicos a essas instituições, nem qualquer avaliação da gestão desses serviços para os usuários por parte da instituição pública contratante. E há uma cadeia de subcontratação, favorecendo um ambiente promíscuo entre o privado e o público.

Na área de Educação, as Os já estão também sendo implantadas, especialmente nas escolas de Ensino Médio. Com a liberação das Os, através de decisão do Superior Tribunal Federal (STF) e agora com a Lei 13.429/2017, elas chegarão com toda força nas universidades públicas, ainda mais no contexto da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos sociais por 20 anos. Teremos professores contratados por Os para dar uma disciplina, um curso, sem qualquer vínculo com a Universidade, colocando em risco a sua própria existência como centro de produção de conhecimento.

É possível afirmar, como fazem alguns estudos, de que a tendência é que os trabalhadores trabalhem mais para ganhar menos?

GD: Essa é uma tendência que já vem se realizando. Através da terceirização, onde em geral as jornadas são maiores e os salários menores, e  também através de outras modalidades de gestão, como é o caso da política de metas, que se generalizou para todos os segmentos, inclusive no serviço público. O estabelecimento de metas, determinado pela obsessão por elevados índices de produtividade, é a forma que o Capital encontrou para aumentar a mais-valia absoluta, isto é, aumentar o tempo de trabalho, sem burlar a legislação. É a intensificação do trabalho sem contrapartida em termos salariais. Esse é um processo também evidente nas universidades públicas, onde o produtivismo acadêmico tem levado a um processo de precarização do trabalho dos docentes.

Como a aprovação da terceirização, e, posteriormente, a possibilidade de aprovação da reforma Trabalhista, impactará a Previdência?

GD: O desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas é uma ofensiva do Capital e do seu governo que se consubstancia em diferentes projetos de lei e emendas constitucionais, além de votações do STF em matérias da área do trabalho. As chamadas “reformas” são todas para destruir o que o movimento dos trabalhadores conquistou durante décadas. A aprovação do negociado sobre o legislado, que é o centro da reforma Trabalhista, dos contratos intermitentes, aliada à liberação total da terceirização, provocará uma inédita informalização do mercado de trabalho, pois será, na prática, o fim da CLT. Hoje, 25 milhões de trabalhadores estão fora do sistema de proteção social, com a aprovação desses PLs a tendência é que esse número seja multiplicado. E, portanto, não contribuirão para a Previdência, o que não só reduzirá a arrecadação, como o que sobrar do sistema previdenciário será para poucos. Sem uma legislação protetiva do trabalho, não há efetivamente um sistema previdenciário.

É possível dizer que, mesmo que a PEC 287/16 – contrarreforma da Previdência -, seja rejeitada, com ambas as medidas acima citadas, o Sistema de Seguridade Social que conhecemos também será desmontado?

GD: A PEC 287 não será aprovada na sua formulação original. Isto tem sido demonstrado pelas discordâncias de parlamentares da base do governo, o que já ocasionou o “abandono do navio” de alguns aliados de Temer. Tal situação é produto das manifestações populares que vêm ocorrendo, reunindo milhões de pessoas no país. A pressão dos movimentos, numa conjuntura de persistência da crise econômica e política, e com as eleições de 2018 se aproximando, vêm implodindo a reforma proposta. Entretanto, a terceirização irrestrita e a reforma Trabalhista, pelos motivos já apontados, contribuirão decisivamente para desmantelar o atual sistema de Seguridade Social.

O governo Temer afirma que a terceirização não acabará com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, existe uma tendência à “pejotização” dos trabalhadores a partir de agora. Quais as consequências desse processo?

GD: Na terceirização, a empresa ou instituição contrata outra empresa (intermediadora) para realizar uma atividade. Seja um trabalhador que virou Pessoa Jurídica (PJ), como já ocorre hoje, seja uma empresa propriamente dita. A legislação que rege esse contrato não é a trabalhista (a CLT), é o direito comercial ou civil que estabelece a relação entre as duas empresas. Assim, a empresa ou instituição pública contratante, que é a responsável pela terceirização, se desobriga de qualquer responsabilidade trabalhista, que é um dos objetivos principais junto à redução de custos para terceirizar. No campo do Direito, a “pejotização” constitui uma modalidade de contratação fraudulenta, pois contraria princípios como o da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, já que o trabalhador ao se tornar pessoa jurídica deixa de ser amparado pelo Direito do Trabalho, passando a ser regido pelo Direito Civil e consequentemente, perdendo todos os direitos estabelecidos pela CLT.

Fonte: ANDES-SN


BOLETIM ELETRÔNICO


REDES SOCIAIS