O Partido do “Escola sem Partido”

Observatório do Ensino Médio UFPR
Observatório do Ensino Médio UFPR

Desde 2004 vem sendo divulgado no Brasil um movimento que se auto intitula “Escola sem Partido”. A pretexto de defender uma educação fundada em uma pretensa “neutralidade”, o movimento, em seu Programa, designa qualquer processo educativo que não esteja baseado nessa premissa como sendo “doutrinação”.

Mas, seria mesmo “sem partido” o “Escola sem Partido”, ou, ao defender o que defende já não estaria o movimento tomando partido?

Vejamos: a par dos pilares “defesa da neutralidade” e “contra a doutrinação” o “Escola sem Partido” se organiza em torno de um  modus operandi. Em seu modo de fazer propõe a proibição de determinados assuntos ou abordagens e a punição de professores que não obedeçam a esses princípios e determinações.

Dentre os assuntos privilegiados está o que denomina “ideologia de gênero” e dentre as formas está, em especial, a abordagem das questões sociais, que deveriam ser tratadas de forma neutra e o “mais objetiva possível”. A ausência de objetividade estaria, sobretudo, ao ser feita qualquer menção direta ou indireta a umas das vertentes clássicas da Sociologia, o marxismo. (http://www.programaescolasempartido.org/).

O programa do “Escola sem Partido” pretende instituir nas escolas um conjunto de medidas, como por exemplo um cartaz a ser afixado em cada sala de aula dizendo quais assuntos ou abordagens seriam proibidos e que, em caso do não atendimento, incorreria o/a professor/a em “abuso da liberdade de ensinar” e deveria ser, por essa razão, punido. Para que este processo funcione, o modus operandi se instituiria pela delação por parte de estudantes ou responsáveis aos gestores escolares e/ou dos sistemas de ensino.

E aqui começam os indícios para a resposta à pergunta formulada.

A prática da delação, por si só, é antieducativa, haja vista que incentiva posturas que rompem com a relação de confiança absolutamente fundante da relação pedagógica entre professores/as e estudantes (Frigotto, 2016); como resultado imediato da delação está a institucionalização da perseguição ao/à educador/a que teria infringido a regra; delação e perseguição trazem consigo um terceiro elemento: a intolerância (como por exemplo a que deriva do assunto “ideologia de gênero”), e um quarto: a punição.

Pois bem, ao tomar partido por esses princípios e métodos, o “Escola sem Partido” evidencia que age fazendo aquilo que condena: apregoar “delação”, “perseguição”, “intolerância” e “punição” nada tem de neutro, pelo contrário, tem um compromisso franco e aberto com um dos movimentos mais perversos da história da humanidade: o fascismo. Este é o partido do “Escola sem Partido”.

O partido do “Escola sem Partido” é também o antimarxismo, verdadeira obsessão entre seus adeptos. Derivado dessa postura está a relativização de assuntos como a pobreza e as desigualdades econômicas e sociais, por vezes tratadas como “ideologias” que impediriam o desenvolvimento capitalista. Aqui vale lembrar uma frase atribuída a Max Weber: “neutro é quem já se decidiu pelo mais forte” (Buschbaum, 2004), neste caso, os grandes proprietários e corporações. Este é o partido do “Escola sem Partido”, esta a sua parcialidade.

Resta analisar que tipo de educação poderia resultar desses princípios e práticas. A esse respeito, pela proximidade temática vale recorrer a Theodor W. Adorno, sem dúvida um grande estudioso das relações entre educação e nazismo, versão alemã do fascismo. Para este filósofo, a educação, sobretudo a que ocorre “após Auschwitz”, precisa, necessariamente, conduzir à autonomia intelectual e moral e à autoconsciência dos indivíduos, para que a maior barbárie dentre todas jamais se repita.

Se avaliarmos o potencial objetivo de sobrevivência do nazismo com a gravidade que lhe atribuo, então isto significará inclusive uma limitação da pedagogia do esclarecimento. Quer seja ela psicológica ou sociológica, na prática só atingirá os que se revelarem abertos a ela, que são justamente aqueles que se fecham ao fascismo. (Adorno, 2005).

A adesão aos princípios e práticas propalados pelo “Escola sem Partido” contrariam exatamente o que afirma T. W. Adorno com relação aos fins da educação, a capacidade de crítica às práticas que contrariam a formação humana, para jamais repeti-las. Dentre elas estariam os princípios que geraram e sustentaram o nazi-fascismo, tais como a delação, a perseguição, a intolerância, a punição (com a morte). Por meio da delação, da perseguição, da intolerância e da punição, por meio da parcialidade com que pretende que se mostre a realidade, os princípios e práticas propostos pelo “Escola sem Partido” vão exatamente em sentido oposto e produzirão a interdição da formação para a autonomia intelectual e moral, ou seja, o partido do “Escola sem Partido” gera uma antieducação.

Referências

ADORNO, Theodor W. O que significa elaborar o passado. In: MAAR, W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

BUSCHBAUM, P. Frases Geniais. São Paulo: Ediouro, 2004.

FRIGOTTO, Gaudêncio. “Escola sem Partido”, imposição da mordaça aos educadores. Revista Espaço Acadêmico (on line), 2016.

*Doutora em Educação: História, Política e Ciências Sociais pela PUC SP. Professora na Universidade Federal do Paraná. Coordenadora e pesquisadora do Observatório do Ensino Médio.

Fotografia: Giorgia Prates

[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]


BOLETIM ELETRÔNICO


REDES SOCIAIS